ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | A imagem precária na era da fotografia digital |
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Autor | leandro pimentel abreu |
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Resumo Expandido | Este artigo surge de uma indagação despertada em um encontro sobre fotografia com câmeras sem lentes (pinholes) e a constatação de que houve nos últimos anos o crescimento no número de adeptos da produção de imagens por meio de técnicas de impressão alternativas e de câmeras artesanais . Os indícios dessa tendência se mostram evidentes nas marcas de precariedade dessas imagens, sejam elas a falta de definição, as distorções, os ruídos ou outros elementos que não colaboram para torná-las mais claras e nítidas. Essa produção de imagens precárias , que ganha mais vigor a partir de meados dos anos 1990 , coincidindo com o desenvolvimento e a difusão da fotografia digital, pode ser comparada em seu aspecto formal ao movimento pictorialista no final do século XIX, cujos adeptos buscavam utilizar a técnica fotográfica como um meio de expressão artística. Contudo, a analogia possivelmente ficaria somente na aparência formal que tanto os produtores das imagens precárias atuais quanto os pictorialistas parecem apresentar como estratégia para se destacarem da grande massa de imagens.
Nesse comparativo, retornam algumas questões sobre as imagens técnicas desenvolvidas por Walter Benjamin e que reverberam na produção contemporânea. Há aparentemente nas últimas décadas mudanças tecnológicas tão significativas como as que ocorreram na primeira metade do século XX. Nesse período, no campo da técnica fotográfica, surgiram o instantâneo, o filme de rolo e as câmeras mais compactas. Atualmente se consolida a fotografia digital como principal forma de produção de imagens. Nesta analogia, destaca-se a apresentação do dispositivo e a explicitação do processo, estratégia que se repete em várias obras atuais e que pode ser comparada ao teatro épico de Brecht, exemplificado por Benjamin, cuja proposta de quebra na narrativa levava o espectador a uma sensação que visava desorganizar a linearidade e o naturalismo da representação. A idéia de uma maior opacidade na atualidade, obstruindo as certezas que orientaram os projetos modernistas e dissolvendo as linhas que definem os limites entre os territórios, parece encontrar na imagem precária uma textura adequada. Um tipo de visibilidade que, inclusive, se aproxima das imagens nas telas eletrônicas, cuja textura e maleabilidade ficam evidentes na falta de nitidez nos efeitos gráficos incorporados. Como diferença em relação a essas tecnologias, essas imagens precárias - muitas delas feitas com técnicas originárias do século XIX - repetem antigos processos de produção artesanal, guardando na sua materialidade marcas de um tipo de fazer que se distingue das imagens eletrônicas e digitais, nas quais há o apagamento dos traços de uma origem. Essa “estética da precariedade”, que se observa também na publicidade, no cinema e no jornalismo em geral, apresenta-se muito mais como um recurso estilístico do que como uma forma de resistência ao “declínio da experiência” detectado por Benjamin como um aspecto fundamental da modernidade. No entanto, o uso de processos que se tornam visíveis na própria imagem, ou que são apresentados ao observador por meio de textos, diagramas e outros recursos que deixam a mostra o dispositivo e o processo de confecção, abrem uma outra dimensão a essas imagens precárias contemporânea, diferenciando-as da produção pictorialista que se centrava, sobretudo, dentro dos limites da moldura do quadro. Ao colocar à mostra o fazer da obra, a imagem precária parece apresentar a impossibilidade de se acreditar em uma leitura que aponta para uma verdade fora dela. Há uma deriva para um tipo de relação com a imagem que não é mais da ordem da decifração ou do entendimento, mas uma busca de conexão entre o processo produtivo e o modo com que ela (a imagem) se insere em uma obra e em uma rede de relações que se configuram no decorrer de um processo. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura / Obras Escolhidas – vol. I, São Paulo: Brasiliense, 1994.
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