ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | O barroquismo em Aboio, de Marília Rocha |
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Autor | Gabriela Caldas Gouveia de Melo |
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Resumo Expandido | Aboio, de Marília Rocha é um documentário sobre uma cultura em extinção. A crítica especializada identifica em Aboio uma sutil influência/homenagem à obra de Glauber Rocha, também voltada às mitologias do nordeste brasileiro (principalmente em Deus e O Diabo na Terra do Sol).
Essa relação pode se encontrar tanto no seu tema quanto na forma em que o contraditório jogo elíptico/pictórico proposto pelo barroco se manifesta na obra de Marília. Wölfflin, no seu clássico livro Conceitos Fundamentais da História da Arte nos alerta para a diluição da consistência da forma ao afirmar que ao contrário das artes clássicas “o Barroco evita sistematicamente suscitar a impressão de que o quadro tenha sido composto para ser visto e de que possa ser totalmente apreendido pela visão”. Ao registrar uma cultura em extinção, Marília revela um discurso, por vezes incompreensível, denunciando a existência de um outro código de apreensão do mundo. Nas palavras de Wittgenstein, “A linguagem é um labirinto de caminhos, você chega a um lugar por certo lado, e você a reconhece. Você chega ao mesmo lugar por um outro lado, e você não o reconhece mais”. O crescente desaparecimento dessa cultura sertaneja recai numa pesquisa de situações históricas sem resolução e no embate dos discursos tal qual nos é apresentada pelo pensamento de Lyotard, em sua obra Le Différend, na qual elabora o conceito de litígio a partir de duas premissas: a dominação coletiva e o extermínio em massa. O montante de noções que reportam ao problema da responsabilidade se referindo a heterogenia das linguagens, como centro gerador da situação de conflito ou o que ele chama de différend, pode ser traduzido livremente como litígio. Lyotard defende que o que caracteriza o embate é a ausência de terreno compartido, introduzindo a idéia de uma mediação que estaria no reconhecimento da legitimidade desses discursos. Seria então papel da arte e da literatura atestar o litígio na medida em que o expõe? A cultura rural registrada em Aboio é de certa forma classificada pelo discurso dominante como “inválida”. O que Marília Rocha realizou ao escolher esse tema foi criar uma possibilidade de legitimação para essas vozes. Para tanto, a realizadora encontrou soluções formais que revelam a singular gestualidade da cultura sertaneja através da apropriação de seus códigos expressivos. Misturando imagens captadas por uma câmera super-8 com vídeo de alta resolução, a diretora tece, através de uma montagem experimental, uma narrativa em meio à abstração. “Textura” é uma palavra recorrente ao se analisar Aboio, é o recurso mais utilizado para trilhar o referencial do aboiador. Essas significações são apresentadas através de sensações, ritmos e respirações todos os elementos composicionais necessários ao reconhecimento do universo sertanejo. Marília Rocha tem formação em belas artes e talvez resida nesse fato a escolha de revelar a singularidade da cultura do aboio privilegiando um formalismo pictórico repleto de sentido. A motivação para se analisar Aboio está em identificar a unidade visual do conjunto de imagens o qual chamo de “sequências barrocas”. O artista barroco em especial a quem essas sequências nos remetem seria o mestre holandês Rembrandt. As obras deste artista nos chamam atenção pela gradação da claridade, os meios-tons, as penumbras que envolvem áreas de luminosidade mais intensa em um jogo de contrastes suavizado. Este trabalho visa investigar a presença de soluções formais encontradas no filme, como a proposição de artificialidade em que a diluição do real faz correspondência com a estética barroca. |
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Bibliografia | ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão. São Paulo: Cia da Letras, 2004
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