ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Tempo de colher amoras: a redescoberta do olhar e do cinema vidente "Na cidade de Sylvia" |
|
Autor | Arthur Fernandes Andrade Lins |
|
Resumo Expandido | Em contraposição à saturação de imagens que configura o atual painel midiático, alguns exemplares do cinema contemporâneo investem na contemplação como forma de redescobrir o mundo através da seletividade do olhar. A supressão de informações narrativas em detrimento a uma proposta radical de imergir na situação mostrada indica um espaço de resistência às imagens ordinárias. E como um sabotador da linguagem audiovisual, o subjetivismo do olhar se constrói através da objetividade da câmera numa espécie de recusa consciente aos artifícios da linguagem em prol de uma busca primitiva pela imagem em si.
No filme espanhol ‘Na cidade de Sylvia’, de José Luis Guérin, acompanhamos o personagem principal em busca de rever uma mulher que só existe em sua memória, ou seja, uma imagem. O mínimo de informação narrativa que nos é dado fica submerso no excesso de informações descritivas que se acumulam durante o transcorrer do filme. Já que Sylvia não existe, precisamos criá-la, assim como nosso personagem precisa recriá-la no papel através dos diversos esboços de caricaturas que ele desenha enquanto observa as mulheres à sua volta. O que nos chama a atenção na estrutura narrativa do filme é a recusa pela ação dramática e a crença absoluta no encantamento com o cotidiano prosaico, como forma de restituir à imagem a sua condição de única e original. Essa tendência faz consonância à algumas vertentes na historiografia do cinema. Deleuze já observou que no Neo-Realismo italiano o real não era mais representado, mas sim ‘visado’. Citando o filme ‘Romance na Itália’, Deleuze sugere um conceito que parece muito apropriado para pensarmos o cinema atual. Segundo ele: “Romance na Itália acompanha uma turista que é profundamente abalada pelo simples desenrolar de imagens ou de clichês visuais, nos quais ela descobre algo insuportável, para além do limite do que pode pessoalmente suportar. É um cinema de vidente, não de ação” (DELEUZE, 2005, 11). Neste cinema de vidente poderíamos incluir obras de cineastas muito representativos do cinema contemporâneo, como Gus Van Sant, Claire Denis, Tsai Mi-liang, Pedro Costa, Abbas Kiarostami e Apichatpong Weerasechakul. Este cinema parece se apropriar das brechas deixadas pela ação dramática. Potencializando o que se oculta nas narrativas clássicas, ele se insere no que antes seria cortado na mesa de montagem, nas elipses, nos tempos mortos. Assim, um olhar quase documental sobre um engarrafamento numa sexta à noite (em Sexta à Noite, de Claire Danis), ou sobre as mulheres em seus momentos de pausa enquanto tomam um café numa praça francesa (Na cidade de Sylvia) passam a ocupar lugares centrais nessas cinematografias. Como quem colhe amoras enquanto a tarde passa sem pressa, iremos nos debruçar com mais apuro nesses aspectos estruturais da narrativa de 'Na cidade de Sylvia’ e descortinar esses elementos que configuram o cinema de vidente. |
|
Bibliografia | AUMONT et. al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995.
|