ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Performance e Espetáculo em Fellini |
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Autor | Anderson Melo |
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Resumo Expandido | Tomando como ponto de partida o filme Roma de Fellini (1970), propõe-se apontar como a metaficção historiográfica caracteriza um dos traços significativos de sua poética, cuja imanência das imagens perturba e desconfigura o horizonte de expectativas de uma percepção limitada pelos discursos da história. No sentido de evidenciar ironicamente a valorização do espetáculo no contexto cultural dos desdobramentos do pós-guerra, Fellini nos apresenta não um retrato da cidade milenar e seus monumentos, mas eventos que mostram múltiplas nuances de Roma sem a pretensão de totalidade, configurando-se como performances que atravessam as práticas sociais e a produção cultural nos seus mais diferentes e divergentes espaços.
Ao evidenciar a convergência de linguagens e meios que perpassam campos epistemológicos distintos, associando moda, religião, prostituição, arte e entretenimento, Fellini enfatiza o papel dos aspectos tecnológicos na produção de sentidos, trazendo o próprio fazer cinematográfico para o mise en scene. O filme problematiza a recepção apresentando imagens que escapam tanto de um ordenamento narrativo teleológico, quanto de uma representação mimética de ações circunscritas ao universo diegético de personagens. Além disso, os processos de subjetivação tratados nas instâncias da formação discursiva do sujeito, retratadas no filme pela escola, pela família, pela igreja, e posteriormente pela experiência de desejos recalcados, em contraposição ao arquivo de imagens que compõe o catálogo histórico de Roma, evidenciam a necessidade de construirmos um olhar diferenciado sobre o objeto, não voltado para a identificação ou conduzido e confirmado pela mediação de uma identidade. Uma vez que os dispositivos tecnológicos da inscrição cinematográfica estão visíveis dentro do próprio filme, revelando a opacidade dos mecanismos discursivos, questionando o que podemos ver e o que podemos dizer sobre Roma, somos impelidos a buscar outros caminhos que nos possibilitem compreender o campo que envolve os saberes e as práticas ali tratadas. Fellini assume a inviabilidade de resgatar a aura de Roma através da história, como diria Walter Benjamin, escovando a história a contrapelo. Seu filme pode ser lido como a microestrutura de sua própria obra, que instaura um movimento da representação para a apresentação, do símbolo para o ícone, do literário para o performático. Nesse sentido, as referências de Fellini são sempre seu próprio universo ficcional, a rede interdiscursiva e intertextual que o gênio criador vai tecendo e colocando em crise as nossas concepções de realidade e o papel da arte como exercício ontológico por meio da linguagem. Se por um lado o cineasta ataca criticamente a indústria cultural, no seio de sua formação, por outro lado Fellini não dá as costas para essa realidade, servindo-se do próprio aparato tecnológico e de todos os mecanismos que engendram esse sistema de produção, chegando mesmo a se tornar um de seus emblemas. Desde suas primeiras realizações como diretor, a imagem do autor surge no universo ficcional de sua obra, inicialmente como representação de personagens que simbolizam um alter ego, posteriormente pela aparição direta do diretor em ação dentro da cena, realizando sua própria performance, no espetáculo barroco que emerge de sua arte. Roma não encena conflitos, mas tensões, tensões habilmente tecidas no contato entre as imagens arqueológicas dos tesouros históricos que repousam nas entranhas de seu solo e os travellings de uma equipe cinematográfica que se desloca em carrinhos do canteiro de obras nos túneis de construção das linhas do metrô. Fellini faz questão de mostrar a materialidade dos recursos tecnológicos do mesmo modo que revela a adiposidade de suas figuras humanas. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Mágia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. trad. Sérgio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
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