ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Gondry: imagens mentais, Trompe-L’oeil Tecnológico - entre truques óticos e efeitos digitais |
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Autor | Elianne Ivo Barroso |
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Resumo Expandido | O imaginário é a temática central da obra audiovisual de Michel Gondry. A grande questão que se coloca é como transpor as imagens mentais para a tela na sua imprecisão, subjetividade e diferenciação com o real. De quais recursos dispõe o cinema, por exemplo, para descrever a memória ou o sonho? Tanto uma como o outro são sempre, no caso de Gondry, inseridos dentro de uma estrutura clássico-narrativa e buscam reproduzir o ponto de vista dos personagens. As suas histórias trabalham no limite entre o romântico, o melodrama, o cômico, o surreal e o bizarro. Entretanto a originalidade do diretor está no hibridismo de técnicas cinematográficas que usa para descrever tais sensações e provocar estranheza ao espectador, recuperando, por assim dizer, a história dos truques e efeitos e reafirmando quase que didaticamente que a interface digital é um mero desdobramento daquilo que sempre se fez no cinema.
Em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”(2004), os personagens tentam desesperadamente apagar suas reminiscências como forma de esquecer uma desilusão amorosa. Para tanto, ora Gondry lança mão de efeitos digitais que decompõem e fundem as imagens - recurso bastante usado pelos surrealistas como Luis Buñuel ou Jean Epstein; ora efeitos cênicos que provocam incômodo à percepção do espectador, trabalhando com miniaturas ou reconstruindo objetos com tanto fez, por exemplo, no passado os diretores de efeitos especiais como Willis O’Brien ("King Kong", 1933) ou Ray Harryhausen ("A invasão dos discos voadores",1952). Já em “Science of Sleep” (2006), o sonhador interpretado por Gael Garcia vive em cenários que poderiam ser recriados digitalmente com auxílio de chroma-key. Porém Gondry prefere fazê-lo empregando o recurso do back projection, tão usado em filmes hollywoodianos como aqueles de A. Hitchcock. Jamais os atores Cary Grant e Ingrid Bergman estiveram no Rio de Janeiro para filmar “Interlúdio”(1946). Graças ao auxílio de um fundo projetado com imagens do Rio, tinha-se a ilusão de que a história se passava por aqui. Em “Rebobine, por favor” (2008), o bizarro e o riso advêm da revelação do dispositivo cinematográfico ao público. Depois que o mecânico vivido por Jack Black leva uma descarga elétrica, começa a desmagnetizar o acervo de fitas VHS da videolocadora. Ele e os amigos são obrigados a refilmar os clássicos mais procurados para evitar a falência do local. Não há muito tempo nem referências dos filmes. Eles só contam com as lembranças que tinham e com os recursos amadores que dispunham. Ao refazer o "Tubarão" (1974), por exemplo, mostram a fabricação da cena e a ilusão do quadro cinematográfico. De certa forma, aqui uma homenagem aos precursores do cinema como Georges Méliès que enfrentou o mesmo desafio e limitação ao criar suas imagens fruto de sua imaginação e de trucagem. O trabalho de Gondry nos serve para repensar duas questões contemporâneas impostas pelo cinema comercial. A primeira é que o uso de truques e efeitos não se restringe apenas à reconstrução hiperrealista dos filmes de ação e podem dar cabo a toda sorte de imagens, inclusive daquelas que não se baseiam exclusivamente na realidade, mas trabalham com elementos subjetivos, sensoriais e emocionais como a imaginação. Por outro, o modus operandi do cineasta nos faz refletir sobre a própria dinâmica da técnica audiovisual. As ferramentas digitais e principalmente os efeitos numéricos não apontam para uma ruptura mas, na verdade, dão apenas uma nova roupagem às técnicas de outrora. Não são feitos para se usar como receita de bolo ou de forma aleatória. Sejam elas da época de Méliès, do período dos estúdios americanos dos anos 30,ou de Sukurov ou Péléchian até a Industrial Light and Magic de George Lucas, todos partem do conhecimento histórico das técnicas, em propósito conciliatório da premissa da experimentação com o objetivo de dar vida às imagens da mente humana. |
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Bibliografia | HAMUS-VALLÉE, Réjane. Les effets spéciaux. Paris: Cahiers du Cinéma, 2004.
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