ISBN: 978-85-63552-05-1
Título | Documentário contemporâneo: o que pode uma vida? |
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Autor | Cezar Migliorin |
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Resumo Expandido | Conversar, ouvir, descobrir a criatividade e os modos de vida excêntricos, conectar a cena do realizador com outras cenas, vidas e estéticas marginalizadas é parte da tradição do documentário moderno. Mais do que isso, conectar-se com o outro é uma forma de forjar um acontecimento, o aparecimento de uma potência não circunscrita em nenhum dos atores isoladamente.
Eis o primeiro problema contemporâneo: Conectar e valorizar a criatividade e os modos de vida descolados dos roteiros é próprio ao capitalismo contemporâneo, ávido em criar a partir das forças individuais e dos modos de subjetivação excêntricos ao que o próprio capitalismo conhece, ávido a produzir novos consumidores e produtos - estéticos e sensíveis - a partir do que ainda não é parte de sua trama. Desconfia-se ainda do conexionismo apontando para a possibilidade de toda invenção subjetiva passar a fazer parte de um banco de dados - ligados ao capital - disponível para melhor poder moldar a exploração dessas subjetividades. O capitalismo se nutre da vida na medida em que se coloca como medida para o sem medida – as potências mesmo dos indivíduos, eis a dimensão propriamente biopolítica do capitalismo que traz para a política dos documentaristas a desconfiança em relação às suas próprias práticas. Problema essencialmente biopolítico: de que forma os poderes se interessam pela vida e como ela mesma é uma forma de resistência a esses poderes? Resistir em ambiente disciplinar significava se opor às instituições que encarnavam a disciplina ou singularizar o que era normatizado pela instituição. Em um momento pós-disciplinar esses limites não estão mais claros. Dilatar a experiência sensível não é uma exclusividade da arte ou do documentário, é matéria prima e desafio mesmo do capital. Dentro desta economia do sensível que fomenta e vampiriza as forças mais íntimas do sujeito, que parte cabe ao documentário? Como estar com aquele que nem o capitalismo deseja como assujeitado ou explorado? Ainda, em que medida o documentário não estaria compartilhando com a mídia e com o capitalismo uma certa espetacularização do íntimo e do vivido presente na fome de real que atravessa a cultura contemporânea. Poderia a crítica ao espetáculo ser suficiente nos embates contemporâneos? Não parece ser o caso. Seria essa produção, também, uma maneira de incrementar o controle e os meios de confinamento que não dependem mais de espaços fechados, mas sim de modos de atuação da subjetividade, das possibilidades de invenção de si? Essa desconfiança parece se refletir em alguns filmes: Notas Flanantes (2008), de Clarisse Campolina, Jesus no Mundo Maravilha (2007), de Newton Cannito e Sábado à Noite (2007), de Ivo Lopes. Nestes filmes, das maneiras as mais diversas, há uma negação das tradicionais estratégias contemporâneas de conexão e troca; a entrevista, a busca e o dispositivo. Mais do que uma simples recusa, há o gesto que anuncia a recusa na própria escritura do filme. |
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Bibliografia | BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. Le Nouvel Esprit du Capitalisme. Paris: Éd. Gallimard, 1999.
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