ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Cléo e Daniel : o cinema de entretenimento como princípio do prazer. |
|
Autor | Zuleika de Paula Bueno |
|
Resumo Expandido | Dois jovens desajustados, loucos e apaixonados. Cléo e Daniel são os protagonistas da estória de amor escrita pelo psicanalista Roberto Freire em meados da década de 1960, livremente inspirada no romance pastoral do século VII, Daphnis et Chloé. Nas mãos de Freire, o amor ingênuo e pueril dos dois pastores ganhou uma interpretação psicanalítica e contracultural que resultou num dos livros de maior sucesso comercial dos anos 60. Poucos anos após a primeira edição, o próprio escritor adaptaria a obra para o cinema e dirigiria o único filme juvenil explicitamente militante da "ideologia do tesão" proposta por Roberto Freire.
O romance, publicado em 1966, entrou em circulação via banca de revistas editado originalmente como livro-jornal e conquistando a posição de "leitura de formação" de toda uma geração. Porém, se considerarmos que livros de formação são aqueles que pretendem provocar em seus leitores uma determinada educação moral, cívica ou religiosa por meio da narrativa heróica de seus protagonistas, Cléo e Daniel poderia ser classificado como um "romance de formação às avessas", uma vez que é justamente a educação para a desobediência que Freire incita em seus leitores ao expor o caráter repressor das instituições sociais tradicionais (escola, família e igreja). Esse mesmo caráter de educação libertária estaria presente no filme que, assim como o livro, articula tal posição ideológica a uma narrativa facilmente identificada ao entretenimento juvenil. Portanto, livro e filme estão intensamente articulados como projeto artístico e como manifesto da política do prazer defendida pelo escritor. Inspirado nos trabalhos de Wilhelm Reich, Roberto Freire rompe, já nos anos 60, com a terapia psicanalítica freudiana e passa a desenvolver por meio de atividades artísticas, sobretudo teatrais, uma atividade de militância ao mesmo tempo política, estética e terapêutica que chamaria anos mais tarde de Soma. O interessante é notar como esse princípio ganha forma narrativa no cinema. No filme, essa pulsão sexual libertária se faz sentir nos cortes abruptos, na atuação quase muda dos protagonistas após descobrirem-se apaixonados, na verborragia das personagens repressoras como a mãe de Cléo e o psicanalista Rudolf, nos acordes incisivos da canção de Chico Buarque, na câmera estilo cinema-verdade dirigida por Freire no centro de São Paulo e a tomada do beijo desvairado que os dois jovens enamorados trocam em meio ao olhar atônico dos passantes. A "ideologia do prazer" encontra no cinema moderno referências para sua forma estética, contudo, não abandona completamente uma estrutura narrativa mais característica do cinema de entretenimento trivial ao contrapor-se à "ideologia do sacrifício" característica de um cinema sério e socialmente engajado. Assim, Cléo e Daniel ao se definir como um filme orgástico, curiosamente aproxima-se do cinema de entretenimento trivial, embora se coloque claramente como uma obra socialmente engajada. Em síntese, o filme comunga dos beijos loucos e dos gritos roucos de tantas outras produções do período. Mas não se monta nem se vende como cinema novo ou marginal. Se oferece como um filme militante do prazer no qual o amor é o grande princípio revolucionário. Desta forma, ao apostar no corpo, no tesão e na emoção, Cléo e Daniel se configura essencialmente como um filme de entretenimento juvenil. |
|
Bibliografia | BASTOS, Maria Helena Camara. Leituras de formação. Comunicação apresentada no I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. Rio de Janeiro, 2004.
|