ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Dramaturgia audiovisual contemporânea e desdobramento de personagens |
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Autor | Mauro Eduardo Pommer |
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Resumo Expandido | No seriado televisivo Lost ocorre uma variante peculiar de desdobramento de personagens, que tendem a acumular vidas sucessivas fora da dimensão temporal linear, ou vidas paralelas em universos alternativos. Um tipo de desenvolvimento dramatúrgico que se nutre de alguns elementos análogos, mas se constrói sobre diferentes pressupostos, aparece no seriado True Blood contrapondo a vida ordinária das personagens à ocasional dimensão de convívio com instâncias mágicas, com o que vários deles se transformam em seus outros complementares. A extensão do uso desse tipo de registro na atual dramaturgia audiovisual pode ser ainda encontrada em figuras recorrentes da cultura midiática tais como a identidade secreta dos super-heróis, ou mesmo a relação dos cientistas de Pandora com seus avatares. Tais procedimentos empregados de forma recorrente na construção de personagens repercutem a crescente tendência social a tomar como inevitável a bipartição do sujeito contemporâneo entre papéis diferentes e muitas vezes inconciliáveis. Um resultado possível da compressão existencialmente experimentada na vivência do espaço e do tempo, característica da modernidade. Tal compressão vai provocar formas reativas de articulação da experiência de si próprio e das formas de adoecimento mental correlatas. É como se ocorresse um estado geral de desdobramento esquizofrênico das personalidades em meio a um abrangente quadro maníaco-depressivo dos indivíduos atuais. Verifica-se uma falência da história libidinal do sujeito contemporâneo encetando a criação de novos Eus ficcionais, como sintoma da necessidade de desdobramento do indivíduo para ser mais produtivo: donde a procriação virtual, no lugar do exercício saudável da libido.
Uma leitura dessa "condição pós-moderna" pela via da prática psicanalítica leva os terapêutas a registrarem as decorrências na vida cotidiana das demandas invasivas de uma sociedade crescentemente performática, aquela onde as pessoas "se desdobram" para dar conta das demandas externas e internas ligadas tanto à produtividade material quanto à fruição do gozo incessante. Uma reação possível a isso consiste em possibilitar ao sujeito a invenção de novas ferramentas simbólicas para que possa forjar outras modalidades de subjetivação. No campo especificamente narrativo, o que transparece através da forma estrutural dessas construções discursivas é que tais personagens vêem a si próprias e experimentam suas vidas (no interior da própria ficção onde "existem") como comportando internamente a seus psiquismos um outro personagem ficcional, repercutindo o fato de que a ficcionalização caracteriza-se ontologicamente por um afastamento "teórico" do próprio sujeito, um ver-se de fora. O que lhes franqueia tal ingresso na lógica da ficção é o fato de que a narrativa por sua própria forma discursiva implica na inserção de um tempo em outro tempo, delegando o Eu-origem (Cf. Käte Hamburger)do "narrador" ao Eu-origem das personagens. Com isso, em Lost cada personagem, enquanto narrador potencial de seu passado, torna-se também narrador de seu futuro, quando todos os tempos podem voltar a se recompor de forma independente. A narrativa de Lost opera estruturalmente como vasta cerimônia fúnebre (Cf. Giorgio Agamben), onde os duplos esquizóides insepultos da sociedade contemporânea passam por um jogo ritual que possa eliminá-los em definitivo. O decurso da história envolve assim a tensão constante entre mortes, renascimentos eventuais, e a vivência em espaço-tempos e universos alternativos. |
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Bibliografia | HARVEY, David - Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 2009.
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