ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Kracauer e o realismo histórico |
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Autor | Cristiane Freitas Gutfreind |
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Resumo Expandido | A recuperação da memória e os desdobramentos da história são questões recorrentes na produção cinematográfica, apesar das dificuldades em se representar os horrores de períodos históricos autoritários. Esse sintoma, que relaciona cinema com a história e a história com o cinema foi explorado por um dos principais pensadores do cinema, Siegfried Kracauer, que foi o primeiro a teorizar as afinidades particulares do processo histórico e do processo cinematográfico em diferentes obras. Por isso, o interesse aqui é refletir, a partir das idéias de Kracauer, sobre as relações entre a teoria fílmica e a abordagem histórica no cinema, considerando o realismo como valor estético que permite filmar o passado, principalmente, grandes tragédias, como o período da ditadura militar brasileira.
O pensamento de Kracauer é fundamental na teoria do cinema do século XX, principalmente por causa do seu livro Theory of film, onde analisa exaustivamente as potencialidades do cinema como meio de reprodução da realidade, constituindo-se em uma sistematização de uma concepção realista do cinema, além da relação entre a escrita da história e a concepção cinematográfica resultando em uma poética de escrita crítica. Na concepção do autor, o discurso sobre mundos passados alimenta aquilo que é eleito como objeto de registro cinematográfico. O realismo é, então, a verdade para a história e para o cinema, e por isso é preciso respeitar a sua existência. Essa tendência realista da história é definida por Kracauer como sendo a essência do cinema, sustentada no registro e na revelação da realidade física da matéria ou da natureza. Os filmes que pretendem ter alguma valoração estética se submetem ao ato de registrar e de revelar a realidade. A analogia entre história e cinema está em atingir o equilíbrio entre tendência realista e formalista. Kracauer propõe esse equilíbrio a partir da desmistificação de formas e de sujeitos que são convenientes tanto à historia como ao cinema, através da análise da sua capacidade de escrita e registro. Assim, o cinema se reinventa a partir daquilo que lhe parece estranho: escrever de forma a contrariar a historia e registrar de forma a contrariar a matéria. É essa capacidade de contrariar que faz do cinema um meio suscetível de abrir campos para várias frentes diferenciadas. O cinema deve aceitar sua capacidade heterogênea em que a realidade é contrariada pelo poder das fábulas, da intriga, etc., mesmo recurso utilizado pela historia diante de um material escasso para preencher suas lacunas. A câmera-realidade é, para Kracauer, um lugar de registro da realidade física e da superfície das coisas, acolhendo aquilo que lhe escapa; o cineasta precisa saber hospedar coisas invisíveis, pois essas possuem o poder de modificar a nossa existência. Existe uma relação intrínseca entre cinema e história observado por Kracauer. O historiador do cinema circula pelo campo das artes, das formas, das práticas que dizem respeito à produção, das técnicas, dos modos de difusão, da recepção dos filmes, assim como dos efeitos políticos e midiáticos. Filmes sobre a ditadura militar no Brasil ou outras catástrofes da humanidade, confrontam passado e presente como forma de manter uma vigilância do presente e permitir aos sobreviventes encontrar seu lugar. O acontecimento histórico, para ser documentado, não se baseia somente no arquivo, mas se faz presente sob a forma de traços e ressonâncias em que sejam recolhidas imagens de intenção e de alusão ao acontecimento, contaminadas por uma memória individual, parcial. O filme que objetiva resgatar a história não pretende mais reconstituir ou fazer reviver o passado, mas revelar a sobrevivência, a presença fragmentária e desordenada, porém aquela que age. É esse o tipo de imagem autorizada pelo cinema sobre o passado, que sabe colocar o seu drama em presente e, assim, permite-se começar a esquecer. Essa é a função salvadora que Kracauer atribuiu aos filmes na teoria de seus escritos. |
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Bibliografia | AARÃO REIS, D. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
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