ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Do livro ao filme e além: o cinema brasileiro e os eus cambiantes |
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Autor | Marco Aurélio Pinheiro de Medeiros |
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Resumo Expandido | A representação estética das questões identitárias constitui ponto capital nos estudos contemporâneos. Fenômenos como a fragmentação, a desagregação de núcleos e estruturas, o confronto entre utopias e distopias, além de outros geralmente alocados quando se pensa em contemporâneo, contribuem para que a literatura e o cinema de hoje sejam veículos que elegem a crise de identidade como plataforma de construção.
Na análise das subjetividades contemporâneas utilizaremos a noção de “eus cambiantes” (MEDEIROS,2007), identidades que vagam, ressignificam-se, cambiam entre pontos díspares e, ao mesmo tempo, complementares. Desse modo, o trabalho focalizará três produções cinematográficas brasileiras do século XXI que, baseadas em obras literárias, permitem discutir tal problemática, desde a identidade do filme enquanto obra cultural autônoma e, como propõe Robert Stam (2008), “leitura” da obra original, quanto na análise da construção da narrativa filmíca confrontada com os limites e possibilidades inerentes ao processo de adaptação e transposição intersemiótica. A primeira obra que analisaremos será Lavoura Arcaica (2001), filme de Luiz Fernando Carvalho, adaptado de romance de Raduan Nassar. Considerado um dos autores mais densos da literatura brasileira, Nassar constrói uma narrativa poética, apoiada em símbolos e arquétipos, fundamentalmente centrada na palavra. A trajetória de André, o filho desgarrado que rompe com os laços de uma família organizada em torno da figura do Pai, é elaborada em um fluxo de consciência que funde o narrativo ao lírico. A adaptação proposta por Carvalho enfrentou o desafio de ler em imagens e traduzir sem perder a força o que, em germe, era essencialmente palavra, edificando, nas palavras de Borges, “como se fosse pedra a areia”. Beto Brant propõe em O Invasor, de 2002, um instigante exercício de discussão acerca de adaptações e identidades. O roteiro de Marçal Aquino se baseia em uma novela que ele próprio estava escrevendo e que, não-terminada, deu origem ao filme. Além disso, o texto literário foi lançado posteriormente ao filme, em uma edição que continha tanto a novela quanto o roteiro, questionando-se as noções de “original” e “adaptado”. A narrativa também desafia o próprio gênero policial, com um protagonista que é , ao mesmo tempo, o mandante de um assassinato, o marido frustrado, o ingênuo que se deixa enredar em uma armadilha romântica, o culpado e a vítima. Na cambiância de eus que se instaura na narrativa, o antagonista Anísio é modelar. Ele é o invasor do título, ele é o “outro” que desestabiliza os “eus”. O matador profissional decreta a invasão do seu eu no dos outros. Ele quer ser como aqueles que o contrataram e, para isso, não hesita em impor sua presença, coagir ou constranger. Budapeste (2009), de Walter Carvalho, baseado no celebrado romance de Chico Buarque, encarna de maneira rica os desafios identitários da arte contemporânea. Se no romance a fragmentação do protagonista era sugerida através do uso da palavra em uma prosa que esbarrava na poesia, tanto na peculiar escolha vocabular, quanto no ritmo e na estrutura do livro, o filme vai buscar sua ambiguidade trabalhando em imagem as duplicidades: Rio de Janeiro/Budapeste, José Costa/Kosta Zsoze, a memória do ghost writer e a memória dos outros das quais ele se apropria. Além disso, a cidade - cenário que,no livro, era uma Budapeste lírica com ruas falsas e personagens nomeadas a partir da escalação da melhor seleção de futebol que a Hungria já teve, se estabelece com outros potenciais, a partir do momento em que o espectador observa a cidade “real”. |
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Bibliografia | AQUINO, Marçal. O invasor. São Paulo: Geração Editorial, 2002.
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