ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | O corpo do alferes e o do Rei: Non, a alegoria barroca de M. Oliveira |
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Autor | Ismail Xavier |
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Resumo Expandido | No cinema moderno europeu e em seus desdobramentos nos anos 80-90, Manoel de Oliveira se destaca, ao lado de Fassbinder e dos Irmãos Taviani na procura de novas formas para discutir a crise do Estado-nação e as armadilhas de uma “política da identidade” que alterou seus termos mas não desapareceu. Non, a vã glória de mandar (1990) se compõe como alegoria histórica explícita que toma o clássico motivo do “diálogo filosófico do combatente antes da batalha” para refletir sobre a experiência da península ibérica desde o período do Império Romano até 1974, ano da Revolução dos Cravos que tem lugar no extra-campo enquanto acompanhamos um caminhão que rasga a floresta e leva soldados que, na África, defendem uma empreitada colonial já moribunda, condição de que o protagonista, o alferes Cabrita, tem plena consciência. Em pauta, o estatuto problemático da nação portuguesa e o significado de momentos decisivos, com ênfase para a derrota de Alcacer-Quibir (1578) e o subseqüente mito do retorno de Don Sebastião para a formação do Quinto Império. O contraste entre o sonho de glória e o fracasso é um leit-motif que dá o tom à recapitulação de tais momentos, havendo sempre uma figura – um corpo – que encarna tal binômio ambição-decepção e distintas formas de morrer que reiteram o “NON” (tomado na acepção barroca do Padre Vieira), ou seja, a interdição meta-histórica que solapa Portugal. A palavra do alferes expõe a série dos fracassos, mas pontua seu relato com alusões aos grandes feitos como as navegações, a “dádiva” portuguesa à humanidade. O drama barroco (Walter Benjamin) do martírio do rei insensato que se transmuta na lúcida melancolia do alferes (ou seja, a repetição do desastre) é contraposto à redenção trazida por uma teleologia da história universal, de feição hegeliana, onde a experiência nacional, apesar de tudo, encontra, na nobreza do legado, o seu sentido. O ponto decisivo é que o termo final do relato – 1974 – não se constitui como telos, instância de redenção que viria coroá-lo, pois o filme descarta a dimensão épica, optando pela composição de seu último lance como um confronto de olhares que repõe as interrogações: campo e contra-campo opõem duas hemorragias, a do corpo (sagrado) do rei desaparecido cuja morte enevoada, sem traços, potencializou o mito e a do corpo do alferes cuja morte médico-hospitalar se faz registro naturalista, prontuário da violência. Tal confronto de olhares opõe o sublime e o grotesco, o enigma e o horror, o mito e a história.
Minha comunicação, partindo da análise deste lance final, avalia o que há de extraordinário mas também de problemático nessa justaposição da alegoria barroca (onde se instala a crítica da regressão mítica que Don Sebastião encarna) com a celebração da “dádiva” portuguesa (que supõe um tempo histórico cumulativo, providencial, fadado ao progresso). O filme talvez vá longe demais na separação entre a violência da empreitada colonial e a proclamação da “dádiva” que permanece impoluta como um nobre legado como se pudéssemos separar os “documentos de civilização” dos “documentos de barbárie” para redimir a nação que se faz imagem da doação e do sacrifício. |
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Bibliografia | - Ferreira, Carolin Overhoff (org.). Dekalog2: On Manoel de Oliveira. Londres, Wallflower Press, 2008
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