ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Documentários Brasileros: do saber do outro à um outro saber. |
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Autor | Sabrina Rocha Stanford Thompson |
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Resumo Expandido | Na voz do Outro a alienação da subjetividade
Praticamente durante quase toda a década de 60 e 70, encontramos no cinema documentário brasileiro o que Jean-Claude Bernardet cunhou como modelo sociológico de cinema documentário, que consistiu numa apresentação do tema abordado de forma neutra, sem qualquer implicação subjetiva, na maioria das vezes fazendo uso do recurso da “voz de Deus”: " O discurso é coeso, não se contradiz, não se nega em momento algum, fecha-se sobre si mesmo, as linhas anunciadas foram desenvolvidas, nada ficou em suspenso.” (Bernardet, 1985, p.26.) Neste modelo, ao sujeito, objeto literal do tema representado, poucas vezes é dado a palavra. Segundo opções de edição, em Viramundo (1965), por exemplo, quando o narrador em voz off diz: “Todo ano milhares de retirantes nordestinos chegam até a capital de São Paulo”, na imagem equivalente vemos uma cena repleta de sujeitos anônimos desembarcando em rodoviárias e ferrovias. A imagem inserida serve apenas como “ilustração” da verdade enunciada, sem qualquer condição de dizer algo por si própria. Sujeitos são apreendidos como “certa classe anônima de retirantes nordestinos”, não existe a presença de uma particularidade. A subtração da singularidade para a constituição de um determinado “tipo” social (retirantes, no caso de Viramundo) serve à comprovação da suposta verdade enunciada pelo outro, onde, às custas de sua afirmação, vemos elidir a possibilidade de uma apreensão de sujeito, que possa transmitir de modo mais sensível certa posição subjetiva, sentimentos ou angústias de um determinado personagem. Sutilezas e Restos de um ato Com as influências interdisciplinares da História Oral, da psicanálise e de elementos atuais da arte e antropologia, o novo cinema documentário vem questionando sua ética na relação com os sujeitos abordados, não só a ética, como também a estética. Novos paradigmas vêm se aliando ao questionamento do cinema e, a partir disso, temos o que parece ser a construção de um cinema esvaziado de um sentido pleno, mais dócil à escuta do outro, e ,portanto, mais poético, por não primar por um sentido. A verdade, entendida no documentário atual como parcial, parece ser insinuada. Finalmente, existe uma corrente de cineastas documentaristas que parecem ter entendido que palavra de mais é falatório e que a sutiliza revela, toca discretamente na verdade (sempre fictícia, até mesmo no cinema, onde a ficção é o pressuposto) O entrelaçamento do cinema documentário com a vídeo arte, também se constitui em uma interface curiosa, que nos leva, muitas vezes, ao vestígio de um olhar, ou ao que sobrou de uma determinada cena. Na maior parte das vezes, o olhar do documentário vídeo arte tangencia o objeto, sem “encará-lo” de frente, suporta longos silêncios, cenas vazias, determinados traços físicos de seus personagens, entre outras possibilidades. "Parte da produção documental teria a possibilidade de inventar pequenos “dispositivos de escritura” para se ocupar do que resta, do que sobra. Ao contrário dos roteiros que temem o que neles provoca fissura e afastam o que é acidental, os dispositivos documentais extrairiam da precariedade, da incerteza e do risco sua condição de intervenção” (LINS e MESQUITA, 2008, p. 57) Acidente (2006), documentário do artista plástico Cao Guimarães, é uma proposta que parece condensar algumas das novas tendências já mencionadas. Nele o diretor seleciona os nomes de algumas cidades mineiras (a seleção baseia-se na sonoridade poética de cada cidade) e faz desta escolha um poema áudio visual composto por recortes de determinados lugares Em cada cidade, no entanto, não existe um roteiro prévio do que vai ser filmado, muitas vezes o sentido se dá em pequenos atos: na espera de um personagem numa janela, num cão que encara a câmera, no recorte de um corpo, por diversas vezes no vazio. Neste sentido, o foco principal não se coloca no enquadre da obviedade, da da cena esperada, mas sim no detalhe, ou naquilo que escapa. |
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