ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Identidades híbridas - um índio em busca de quê? |
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Autor | Antonio Joáo Teixeira |
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Resumo Expandido | Apesar de o cinema cinema brasileiro contemporâneo abranger filmes muito díspares tanto temática quanto estilisticamente, nos quais se veem às vezes traços televisivos e publicitários, esperança de premiação em festivais, apuro técnico e alguma intenção autoral, destaca-se o que talvez seja um traço comum: o direcionamento do olhar para a realidade brasileira, com o frequente estabelecimento, nesse processo, de um vínculo entre a narrativa ficcional e procedimentos de filme documentário, numa forma híbrida que se relaciona com o esmaecimento de fronteiras entre classes sociais, grupos étnicos e gênero. Muitos desses filmes apresentam identidades não acabadas, em processo de “tornar-se”, ou identidades fronteiriças, porosas.
Esta comunicação pretende discutir a questão do hibridismo cultural em três filmes brasileiros contemporâneos – Mato eles? (Sérgio Bianchi, 1982), Árido movie (Lírio Ferreira, 2005) e Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006) – focalizando grupos indígenas (guaranis, cainguanges e xetás), o índio Carapiru e três personagens descendentes de indígenas, Zé Elétrico, Jurandir e Wedja. O propósito é investigar como se manifestam as identidades desses sujeitos num espaço que se situa entre o urbano e o selvagem e se os filmes também constroem um espaço híbrido. A própria noção de porosidade, de indefinição de fronteiras, está embutida no conceito de hibridismo, que não é aqui visto como uma fusão de elementos absolutamente distintos que vêm a constituir algo novo e nem como uma mistura de elementos que mantêm suas características intrínsecas inalteradas. Ele é visto, outrossim, como a mistura de tudo aquilo que, por si, já está misturado. Quem são os índios de Mato eles?, que vivem em uma reserva que tem uma madeireira, para a qual eles trabalham, e que desmata sua região; que vendem adornos para turistas na beira da estrada; que interpelam o realizador do filme, querendo saber quanto ele ganha; que afirmam que não hesitarão em pegar em armas para defender suas terras? Sua identidade é fluida como o filme, que transita entre documentário etnográfico, filme experimental, ficção e filme instrucional? Em Árido movie, personagens urbanos têm de lidar com as tradições e costumes patriarcais de uma comunidade rural, ao mesmo tempo em que nela são inseridos padrões modernos e licenciosos de comportamento. Cria-se uma situação dramática em que o pivô é uma índia, cujo irmão assassina o coronel poderoso do local. Quem são esses índios, Jurandir, Wedja e Zé Elétrico, o mecânico dado a elucubrações existenciais? Na relação com contextos díspares é que eles se definem, o que faz com que Zé Elétrico, por exemplo, a par do pragmatismo de seu trabalho, tenha um espírito reflexivo, e que, sob o efeito de droga alucinógena, discorra sobre crenças antigas, filosofia e misticismo. O hibridismo que caracteriza esses personagens aparece estilisticamente na mise-en-scène do filme, que mescla Renato e seus blue caps e Marcio Greyck com traços do cinema udigrudi, do road-movie e do cinema dos anos 60. Em Serras da desordem, Tonacci reconstitui a saga do indígena Carapiru (interpretado por ele mesmo), que após um massacre em sua aldeia, vaga por dez anos. O filme, que entremeia encenações de alguns episódios da vida de Carapiru com depoimentos e material de arquivo, alterna longas passagens contemplativas, principalmente aquelas que mostram as atividades da aldeia, com trechos em que a edição ágil procura dar conta de aspectos da civilização em que Carapiru, agora longe de sua aldeia, se encontra. É com esses personagens, surpreendidos em regiões fronteiriças, que esta comunicação pretende trabalhar, levando em conta a vinculação existente entre a cultura e o poder, relação que os processos de hibridismo podem revelar. Como afirma Kathryn Woodward (2000, p. 25), “as identidades em conflito estão localizadas no interior de mudanças sociais, políticas e econômicas, mudanças para as quais elas contribuem”. |
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Bibliografia | BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana L. L. Reis e Gláucia R.Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
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