ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Forma-Ensaio e Documentários Biografia: contaminações, jogos, estéticas e política |
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Autor | Patricia Rebello da Silva |
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Resumo Expandido | “Pan-Cinema Permanente” (2008), de Carlos Nader, e “Person” (2007), de Marina Person, são dois documentários excepcionalmente próximos e distantes ao mesmo tempo. Ambos são documentários-biográficos, quase uma subdivisão dentro dos vários modos de se pensar o documentário; ambos falam de pessoas muito próximas dos respectivos realizadores; e exatamente por conta dessa proximidade e do sentimento que levou à realização dos filmes, ambos acabam confundindo e misturando autor e personagem, biógrafo e biografado. Um traz imagens do excesso de convivência; o outro, da falta de convivência. Ainda assim, ambos Carlos e Marina confessam terem sido ‘soprados’ durante a realização, pela genialidade de seus personagens.
O resultado disso são dois filmes onde não se sabe bem ‘quem fala sobre quem’: se o realizador sobre o personagem na tela, ou se as imagens do personagem na tela sobre o realizador. Essa comunicação tem como objetivo, a partir da análise de fragmentos dos filmes citados, entender os meios pelos quais a forma ensaio contamina o documentário biográfico e o transforma em um ensaio auto-biográfico. “Chamo de personagem toda pessoa que intervém em um filme, seja ele de ficção ou documentário” escreve Jean-Louis Comolli (COMOLLI,2004,103). Começar por Comolli nos parece uma boa estratégia, na medida em que ele circunscreve de forma bem particular a questão do personagem no documentário. Segundo o autor, os atores de documentários, sejam eles profissionais ou não, trazem para o universo do filme o seu próprio mundo real, “sua história, sua vida, seus conflitos, suas falhas, seu meio, sua atividade particular, todas as dimensões que se articulam a seu corpo, sua palavra, sua densidade, seu desejo” (COMOLLI,2004,103-04). É tudo isso que se filma quando se filma alguém, é a partir destes elementos que o realizador vai construir o seu personagem. Ou seja, é preciso escrever, criar ‘a partir’ de uma história já dada, uma forma de agir e de pensar. Mas esse personagem, construído pela vida e pelas experiências que acumulou durante o percurso, nos escapa, continua ele, na medida em que é seduzido pela idéia de ser filmado. E na ausência de um script, de um roteiro pronto que lhe sirva de guia, ele é orientado por sua própria necessidade de encenação. E então, é aí que o personagem que saímos de casa para filmar se transforma em outro. E é na sensibilidade do documentarista para perceber esse tênue limite entre diferentes modalidades de representação que começa a ser escrito um outro filme. Documentários como “Pan-Cinema Permanente” e “Person” reafirmam uma tendência saudável na política do documentário contemporâneo, de se colocar para além do território da informação, e de se mover em direção ao espaço das metamorfoses e das ambigüidades. Existe menos comprometimento com a construção da imagem, que uma atitude de observação da sua modificação. Ou, como aponta André Brasil, “trata-se de um trabalho por meio das imagens e sobre as imagens, ou ainda, um trabalho que nos mostra a maneira como a própria história se faz em imagens” (FURTADO,2009,19). Diferentes de grande parte dos filmes biografias, mais adaptados ao formato de documentário televisivo que, como definiu de forma fundamental o crítico Jean-Claude Bernardet, fizeram da entrevista o “feijão com arroz” dos documentários, os filmes de Carlos Nader e Marina Person se destacam exatamente por deslocar as posições de realizador e personagem e, com isso, modificar de forma radical o filme que ‘saíram de casa para fazer’. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor. Notas de Literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.
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