ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Marginalidade urbana em cena: o advento do gênero favela no cinema brasileiro |
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Autor | fernanda ribeiro de salvo |
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Resumo Expandido | Nesse artigo discutiremos como a proliferação de filmes brasileiros que passaram a retratar a realidade das favelas a partir dos anos 1990 propiciou a instauração de um novo gênero cinematográfico no Brasil, designado por pesquisadores e pela mídia como gênero favela. Acreditamos que, embora tal designação seja utilizada corriqueiramente para se referir à produção cinematográfica que conferiu visibilidade à violência, ao tráfico de drogas, ao contrabando de armas, à corrupção policial e à guerra entre traficantes e polícia nas favelas, não observamos em nenhuma instância uma reflexão sobre o que significa a afirmativa de que um novo gênero se conformou no cinema nacional. Julgamos tal reflexão fundamental, pois os gêneros funcionam para definir nossas experiências midiáticas, e, ao serem observados sob o pano de fundo de seu contexto sócio-histórico e cultural, nos oferecem importantes informações sobre o micronível das práticas midiáticas. Desse modo, adiantamos que trabalharemos com a noção de gênero como categoria cultural, aproximando-nos da perspectiva dos estudos culturais e daquilo que propõem diversos autores (MITTELL, 2004; FISKE, 1987; FEUER, 1992; BARBERO, 2003), ao enfatizarem um circuito de prática cultural operativo em várias dimensões, ao invés de se deter no domínio da crítica textual. Para esses autores, sobretudo Jason Mittell (2004), ao invés de emergir de características intrínsecas aos textos, os gêneros funcionam para categorizar os textos e vinculá-los a grupos de suposições culturais que se articulam por meio de discursos, a saber: discursos de definição (marcas do texto que apontam suas operações internas), discursos de interpretação (que posicionam os sentidos centrais dos textos) e discursos de avaliação (que se referem ao valor cultural relegado aos textos). No entendimento de Mittell, esses proferimentos discursivos é que são constitutivos do gênero, pois, ao circularem, configuram-se nas práticas mesmas que o definem. Assim, o autor se afasta das tradicionais análises que buscam definir categorizações genéricas como propriedade do texto, para considerar que o gênero é uma propriedade do discurso. Portanto, são as várias comunicações que se articulam na sociedade – como as práticas da produção e da audiência, as falas da crítica e da mídia - que funcionam para construir definições de gênero em contextos históricos particulares. É a partir dessas asserções que mostraremos como o gênero favela não nasceu no vazio histórico, mas se configurou a partir de uma realidade sócio-histórica bastante específica, justificada pela mudança radical que sofreram as favelas após a chegada do tráfico de drogas e das armas de fogo – o que resultou em intensa midiatização desses espaços a partir dos anos 1990, quando telejornais, programas de auditório, telenovelas, minisséries, literatura e cinema brasileiros voltaram-se para essa realidade. Em nosso caso, elegemos os filmes Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002), Cidade dos Homens (Paulo Morelli, 2007), Tropa de Elite (José Padilha, 2007), Maré, nossa história de amor (Lúcia Murat, 2007), Era uma vez (Breno Silveira, 2008) e Última Parada 174 (Bruno Barreto, 2008) para observar como seus enunciados suscitaram uma prática discursiva ampla que se estendeu à mídia e à sociedade. O que mostraremos é como essa “conversação” que gravitou em torno do enunciado dos filmes fomentou a emergência do gênero favela, a partir dos discursos de definição, interpretação e avaliação. Portanto, evidenciaremos como esses “lugares de fala” (na crítica especializada, na mídia, nos blogs, etc.) auxiliaram a delimitar o gênero favela, posicionando seu sentido central, bem como seu valor cultural. Assim, não propomos para esse artigo uma análise dos filmes, mas a explicitação de nosso percurso teórico-metodológico, que buscará evidenciar como o gênero favela se fundou como uma categoria culturalmente atravessada.
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Bibliografia | BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. São Paulo. Ed. UNESP, 1993.
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