ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Imagens que calam: comunicação como acolhimento e impossibilidade |
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Resumo Expandido | Deslocados: os espaços, os tempos, as pessoas. Deslocados vagueiam os personagens do filme “You, the Living” (2007), do diretor sueco Roy Andersson. Sentimento de incompletude. Personagens que perambulam esmagados em meio à multidão-indiferença das grandes cidades. Olhos que não se encaram. Presença acolhida pelo olhar do espectador. Presença desse outro que não consigo apreender, desse outro que silencia, que me provoca, que me excede inteiramente, que me arremessa para fora de mim.
Pensar nesse outro como irredutível ao Eu pode ser um caminho para compreender a distância própria da experiência comunicativa. Esse contraponto pode ganhar forma a partir do pensamento do filósofo franco-lituano Emmanuel Levinas, cuja relação “Eu-Tu”, encarnada na figura do rosto, seria a condição fundamental para a comunicação, entendida, portanto, como proximidade ética. Segundo Levinas, a comunicação implicaria acolhimento, passividade, irredutibilidade deste Outro que me interpela, que sempre vai me interpelar. Desse corpo e desse rosto que surge diante de mim. Comunicação entendida como sensibilidade originária. Ou ainda: comunicação como impossibilidade. A impossibilidade como uma dimensão da existência. A fala como presença e a presença da fala: comunicar, pôr em contato, algo que sempre estará fora do alcance. “Falar é uma sorte e falar é buscar a sorte, a sorte de uma relação ‘imediatamente’ sem medida” (BLANCHOT, 2007, p.196). Comunicação como lançar-se ao risco. É através de algumas observações de Maurice Blanchot que buscamos a comunicação e o seu limite através do diálogo não apenas com o Outro, mas com a obra. Para Blanchot, assim como em Levinas, a obra é pura incerteza, ambiguidade e vazio. A obra é a liberdade violenta. A presença da obra, o horror do seu vazio, seria a imposição da necessidade de seu preenchimento com significações e interpretações? Para Blanchot, a obra nunca é completa, nem incompleta: ela simplesmente é. Surpresa da gênese e o ímpeto da manifestação. Por esse motivo, Blanchot funda a própria obra na comunicação, no diálogo instaurado na sua leitura: um diálogo entre duas pessoas cuja experiência original revela algo que nada aparece, proximidade de um exterior vago e vazio, existência nula, sem limite: “sufocante condensação onde o ser se perpetua incessantemente sob a espécie do não ser” (BLANCHOT, 1987, p.243). Ambiguidade da arte. Ambiguidade da comunicação. Nossa intenção é refletir a partir do cinema sobre algumas ressonâncias – e, por que não, dissonâncias – de questões blanchotianas e levinasianas. Pensamos aqui no cineasta norte americano Gus Van Sant e seus filmes agrupados sob o título ‘trilogia da morte’: Gerry (2002), Elephant (2003) e Last Days (2005). O que os aproxima não são seus roteiros, mas antes suas conexões com fatos jornalísticos que tiveram grande repercussão nos Estados Unidos envolvendo a morte de jovens. Estranheza, isolamento, vazio, aflição: experiências-limite. Espaços emocionais e físicos ao mesmo tempo. Uma câmera distante. Texturas, planos lentos, paisagens que refletem experiências de trauma: eutanásia, assassinato e suicídio. Lembrando aqui Walter Benjamin (1996), o encanto dessas obras talvez resida na concepção de narrativa como uma comunicação artesanal, como possibilidade de transformação através da experiência, ao sair do aspecto meramente informativo e descritivo, em busca de uma abordagem outra, mais poética, sensível. O vazio que permanece nas obras de Gus Van Sant e a necessidade de agregação de sentido aos acontecimentos dos quais já se conhecem o fim sugerem o exotismo proposto por Levinas: o olhar estático/estético termina por nos afastar da própria coisa, mas nos aproxima de um silêncio fundamental (o do Outro). Sempre somos estranhos demais aos personagens. Não há abertura, apenas a violência comunicativa dos acontecimentos em sua presença: atmosferas que nos acolhem, mas nos deixam alheios. |
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Bibliografia | BATAILLE, Georges. A experiência interior. São Paulo: Editora Ática, 1992.
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