ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Da possibilidade de uma imagem crítica. |
|
Autor | Cezar Migliorin |
|
Resumo Expandido | Da possibilidade de uma imagem crítica: pactos de inconstância no documentário contemporâneo.
A campanha publicitária da Diesel convoca o consumidor: “Be stupid”. Nos anúncios os consumidores são chamados a negar a crítica, o planejamento, a racionalidade. Mobiliza-se o consumidor, antes, pela retórica que o libera de qualquer reflexão sobre o seu próprio lugar de consumidor, do que sobre o produto ou mesmo sobre a imagem do produto. A retórica cínica é pós-espetacular. A campanha engaja ao formar uma comunidade daqueles que são críticos às campanhas que formam comunidade. É preciso ser “smart” para entender e compartilhar a ironia do “stupid”, exemplo de reflexividade cínica. Imagens como esta, ligadas às práticas de consumo e ao capitalismo contemporâneo, guardam hoje um alto grau de reflexividade e de auto-crítica em relação ao seu próprio lugar no agenciamento dos desejos de consumo. Trata-se de um regime de racionalidade agenciado com imagens, as mais diversas, em que as possíveis críticas, que uma tradicional leitura de seus discursos poderia fazer, são esvaziadas pela própria reflexividade cínica que enuncia sem acreditar no que diz; “be stupid”. Nesta comunicação, acompanhamos, por um lado, a reflexão de Vladimir Safatle que percebe o cinismo como forma de racionalidade adequada aos modos de legitimação do capitalismo contemporâneo. E, mais que isso, o cinismo como chave para se entender alguns modos de produção subjetiva no biopoder. Por outro lado, a partir do trabalho de Boltanski e Chiapello, reconhecemos nessas mesmas imagens e campanhas a incorporação, em suas lógicas de comunicação, do que os autores chamaram de uma crítica artística. Ou seja, o capitalismo contemporâneo se legitima e se valoriza incorporando as críticas à disciplina e à falta de liberdade e autenticidade, advindas de 68. Trata-se de imagens pautadas pelo cinismo sob chave anti-disciplinar. Assim, essas imagens operam se antecipando a qualquer crítica ao mesmo tempo em que existem dentro de uma enunciação libertária, não-disciplinar e que valoriza a experiência, os gestos e ações desfuncionalizadas, em resumo, as forças vitais. Você fez algo estúpido como formar uma banda de rock ou construir uma instalação de arte?, nos pergunta o anúncio da Diesel, nos chamando à “estupidez.” Aceitar o capitalismo em sua forma plena é um gesto contíguo - na lógica cínica - a aceitar a própria vida. Eis a lógica acabada do Biopoder contemporâneo que faz do que há de mais humano e vital - a criação, a experiência, a invenção de si e do outro - o seu mais importante valor. A partir desse diagnóstico, esta pesquisa faz alguns apontamentos sobre os gestos, sobretudo do campo do documentário, que apontam para construções que se querem críticas, mas que já dialogam com uma realidade que, como diz Safatle, já ultrapassou a própria crítica e, também, com os limites da tradição crítica cara à arte política no cinema moderno. Nesta comunicação, me volto para as noções de multinaturalismo e perspectivismo, tal como desenhadas por Eduardo Viveiro de Castro, para pensar certas estratégias estéticas, sobretudo no que tange o lugar do realizador, em algumas obras contemporâneas. Esses conceitos nos ajudam a entender certos pactos de inconstâncias de pontos de vista instaurados pelos filmes, bem como deslocam a divisão natureza/cultura que no cinema aparece, sobretudo, sob a forma das polaridades, subjetivo/objetivo ou transparência e opacidade. Esta passagem por Viveiros de Castro é também uma forma de retomarmos alguns aspectos dos escritos políticos pós-disciplinares de Gilles Deleuze e Félix Guattari. |
|
Bibliografia | BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. Le Nouvel Esprit du Capitalisme. Paris: Éd. Gallimard, 1999.
|