ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | TV Cultura, deslocamentos e (a vontade de) outra ordem audiovisual |
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Autor | Ana Ângela Farias Gomes |
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Resumo Expandido | Uma forte marca das experiências midiáticas audiovisuais contemporâneas está no constante uso do recurso “reality”, isto é, de uma oferta de sentido baseada no inconteste retrato do real. O reality é uma estratégia discursiva que contrata junto ao enunciatário o compromisso de que as mediações entre ele e as imagens praticamente inexistem. Apaga - ou busca apagar - a principal marca constitutiva da imagem, que é a da representação. Esse jogo, tantas vezes próprio de territórios televisivos identificados com a espetacularização, hoje também está presente em emissoras de TV de perfis que se propõem diferentes, se não opositores da lógica do espetacular. É o caso da TV Cultura, o canal televisivo que, segundo seu próprio slogan, é “A TV que faz bem”.
Tal enunciado se constitui numa operação anafórica sinalizadora de que, ao contrário dos outros canais de TV, ela não faz mal a seus telespectadores e, mais: é a única a fazer isso. Tendo por base a noção backtiniana de que um discurso sempre se constroi em embate com outros, percebe-se que o slogan da TV Cultura evoca para si um papel social de alta relevância e, ao mesmo tempo, demarca sua diferenciação, sua singularidade, o que leva consequentemente a uma crítica às demais emissoras de TV. É essencialmente desse lugar de fala que parte o Ecoprático, que se por um lado segue uma tendência da TV contemporânea em investir no formato reality, por outro oferta ao telespectador um contrato de consumo audiovisual diferenciado, porque dentro de uma emissora diferenciada do ponto de vista de seu posicionamento estético-político. Essa interrelação enseja, consequentemente, singularidades nos usos de sentido do reality. A priori, significa investir numa discursividade híbrida – realidade e fantasia, documentário e ficção, constituindo outro gênero ancorado em uma das bases do televisivo compreendido como sistema social: ancora-se em um mundo real (e exterior à TV) para produzir uma realidade fictícia, constituída no interior do sistema televisivo. No caso do Ecoprático, estamos diante de uma experiência singular, que vincula uma TV pública a um programa em formato reality, e a um dos temas mais debatidos pela sociedade nos dias de hoje: meio ambiente. Para completar, toda essa estrutura se dirige para uma reeducação do sujeito comum, a partir de seu ethos. Afinal, trata-se de um reality que busca transformar a perspectiva subjetiva do homem comum em relação às suas pequenas e grandes ações cotidianas. No Ecoprático, famílias recebem a visita do programa para terem seus modos de relação com o meio ambiente investigados, modificados e reeducados. Trata-se do sistema midiático televisivo adentrando a vida privada para re-organizá-la. Uma estratégia que já se vê em realities tais como Supernanny, Ou eu ou o cachorro, Mudança geral (quadro do Fantástico) Você é o que você come, entre outros. No caso específico do Ecoprático, se estabelece o desafio de se produzir um reality diferenciado de todos esses. Afinal, o território é o de uma TV pública. Eis, portanto, o eixo de problematização: quais as estratégias estético-políticas de uma TV pública dentro da ambiência de um formato reality? Em investigações anteriores (Gomes, 2008), observamos que no contexto dos grandes canais privados (Globo etc.), a conversão do social ao universo do sistema televisivo opera muito mais a favor desse sistema do que numa constituição efetivamente transformadora de nossa crônica situação de crise social. Diante desse contexto, vale investigar os usos de sentido de uma TV pública que se anuncia diferente, propõe deslocamentos discursivos, e se diz capaz de problematizar a questão ambiental sem tirar desta a sua complexidade inerente. Simular que não está simulando (característica basilar de um reality) e, no entanto, "jogar limpo" com o telespectador. Tratam-se de relações de sentido que têm ao centro uma fértil discussão que envolve discurso, imagem e suas interrelações com a representação da realidade. |
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Bibliografia | AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. SP: Contexto, 2008.
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