ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | As damas do Bois de Boulogne (1945), o musical bressoniano |
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Autor | Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim |
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Resumo Expandido | A princípio, nada mais distante da utopia e da sensação de felicidade proporcionadas pelos musicais que os filmes do cineasta francês Robert Bresson. Famoso pela sobriedade, Bresson não fez e nem pretendia fazer nenhum musical. Porém, em As damas do Bois de Boulogne (1945), observamos dois momentos que podem ser considerados números musicais de dança, ambos performances da personagem Agnès, vivida por Elina Labourdette.
A apresentação de Agnès se dá justamente durante sua performance no cabaret. Ainda sobre as palavras da personagem Hélène na sequência anterior, “Eu me vingarei”, ouvimos o som do sapateado de Agnès com fundo de música jazzística. A antecipação pelo som é um procedimento comum de Bresson e, nesse momento, sabemos que Agnès será o instrumento da vingança de Hélène sobre o amante. É digno de nota que Bresson tenha dado a Agnès dotes artísticos para a dança que a personagem correspondente do livro de Diderot (1962), em que se baseia, não possuía. Seja pelo tipo de música ou pela roupa (Agnès usa uma cartola, quase um símbolo de Fred Astaire), há neste número uma referência aos musicais de Hollywood. É interessante que, apesar da proibição a filmes americanos durante a Ocupação (o filme foi rodado durante e depois dela), havia na França o fenômeno dos zazous- jovens urbanos que gostavam especialmente da dança americana (BURCH & SELLIER, 1996)- e esse espírito pode ser sentido no filme. Porém, diferente dos musicais americanos, percebe-se que a alegria demonstrada por Agnès no número é falsa, pois ela não se conforma em ter que viver do show-biz. Segundo a classificação de Michel Chion (1995), a música animada de jazz seria anempática com os sentimentos da personagem. Além disso, embora os planos da performance privilegiem o espetáculo do corpo inteiro de Agnès (como nas danças de Astaire), é um número bastante curto e tem ainda dois cortes para a figura de Hélène, como se ela pairasse sobre todo o número, atrapalhando a pura apreciação dele pelo espectador. Bresson permanece fiel aos princípios de suas Notas sobre o cinematógrafo (2008) e mostra os músicos tocando os instrumentos para confirmar o caráter diegético da música. Isso também acontece no segundo número de Agnès, que começa com o plano de um vinil numa vitrola. Vestida com trajes típicos de camponesa, ela dança com ar de felicidade. A música alegre é semelhante à de ballets com momentos campestres como, por exemplo, Gisèle. Seria agora uma música empática (CHION, 1995). Como Gisèle no ballet, Agnès cai desmaiada ao final. Para Burch e Sellier (1996), essa dança é a expressão do desejo de pureza de Agnès, um protesto contra a ordem patriarcal que a oprime. Por outro lado, a oposição entre cultura popular e erudita, comum em musicais americanos e nos quais normalmente se eleva o sapateado como a nova arte em detrimento das artes clássicas, está aqui invertida: o sonho de Agnès seria dedicar-se à dança clássica, enquanto o sapateado só é motivo de vergonha. Sobre a música do número temos a conversa entre Agnès e a mãe. Bresson justapõe fala e música num outro momento de performance no filme: quando Hélène toca no piano a música-tema do filme (composta por Jean-Jacques Grünenwald), enquanto conversa com o ex-amante Jean. Assim, o que era extradiegético torna-se diegético e o seu reconhecimento pelo espectador, na verdade, chama mais atenção para essa música. Porém, a performance não é transformada num espetáculo, justamente por conta da indiferença demonstrada por Hélène, sendo a música interrompida várias vezes, inclusive por Jean, que diz estar o piano “insuportável”. Como os vários planos da dança de Agnès, as interrupções do piano fazem com que, como preconizava Bresson (2008), a música não tome "todo o espaço", de modo que não se comprometa "o valor da imagem" (BRESSON, 2008).Esse “método de interrupções” será fundamental em seus filmes posteriores, onde pequenas partes de uma única peça musical são ouvidas em momentos esparsos. |
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Bibliografia | BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2008.
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