ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Princípio da dupla evidência |
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Autor | Mariana Baltar |
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Resumo Expandido | Esta comunicação pretende traçar, a partir do boom de um subgênero da indústria pornográfica, considerações sobre o diálogo entre o universo do documentário e da pornografia. O caso do vídeo amador, nesse sentido, é um lócus privilegiado para empreender reflexões sobre questões extremamente pertinentes para a cultura audiovisual contemporânea, tais como o real como fetiche e vetor de distinção para o consumo de entretenimento e a correlação entre a tecnologia e estilística do vídeo e o domínio do privado (especialmente em contextos de hipertrofia do privado).
Amparada em autores como Linda Williams, Walter Kendrick e Bill Nichols, entre outros, procuro abordar os discursos sobre o universo sexual em ação como incitação de curiosidades, de desejos e, claro, de saberes sobre o outro. No caso específico do vídeo amador (tratado aqui como subgênero), por suas marcas estilísticas (correlacionadas a estética e às especificidades do vídeo e da utilização ampla dos planos ponto-de-vista/câmeras subjetivas), acaba-se por conformar um denso pacto de intimidade amparado a um só tempo no estatuto de real e na exposição de uma ação historicamente associada ao universo privado. Acredito que tal pacto se consolide pelo diálogo operado no discurso do produto entre o universo do documentário e da pornografia, um diálogo que parte de uma raiz comum às tradições dos dois domínios: o princípio da máxima visibilidade e da evidência como lastro para o efeito de real. Nesse sentido, percebe-se que nas tradições dos domínios do documentário e da pornografia, o princípio da máxima visibilidade (catalisado pelo que Linda Williams define como o frenesi do visível) é central para garantir o estatuto de real e com ele parte da eficácia da experiência estética. Experiências estéticas que são de naturezas claramente distintas em cada um dos domínios, embora não totalmente opostas como argumenta Bill Nichols no livro Representing Reality, mostrando como ambos se organizam em torno do lastro da evidência para satisfazer, em última instância, o universo do desejo. Desejo sexual de um lado, desejo de conhecimento do outro. Na raiz da definição (e distinção) de ambos os gêneros, a evidência do real. Se a mobilização do desejo une os domínios, o que os diferencia são os modos (elementos narrativos) pelos quais suas tradições cristalizaram as marcas da evidência, ou, para usar o conceito de Roland Barthes (1986), o que constituem, em cada um dos domínios abordados aqui, seus efeitos de real. O vídeo amador é subgênero poderoso e produtivo da indústria pornô (fertilizado pela interface com a era digital) que traz questões importantes em relação ao fetiche do real como estatuto de legitimidade e signo de distinção de consumo, mais uma vez, importante tanto para o domínio da pornografia quanto o do universo documental. Nesse caso, as estratégias do documentário são ainda mais amplamente incorporadas como signo de legitimação, potencializando algo que John Stagliano (diretor e produtor da indústria pornográfica norte-americana, lembrado, entre outros aspectos, por seu uso da câmera de vídeo em atávica e documental correlação com o corpo do cameraman em relação aos atores) já fazia desde a década de 1980 e ao longo dos anos 1990. Este subgênero demonstra como a lógica e a mediação da tecnologia do vídeo acarretou profundo impacto do ponto de vista textual e de consumo. Conforme argumenta Franklin Melendez (2004), de um lado, a “revolução do vídeo” estreita a correlação de intimidade entre corpo dos sujeitos representados em ação e do corpo da câmera e, por outro lado, intensifica a potencialidade de explorar ainda mais o consumo privado direcionado aos nichos de mercado, onde o consumo da exacerbação da experiência do real (aparentemente possibilitada pelo vídeo) marca uma tendência desses nichos que caracterizam a cultura consumidora da pós-modernidade. |
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Bibliografia | BALTAR, M. Realidade lacrimosa: diálogos entre o universo do documentário e a imaginação melodramática. Orientador: Prof. Dr. João Luiz Vieira. Tese, UFF, Pós-Graduação em Comunicação, 2007.
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