ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Cinema na primeira pessoa: autobiografias documentais |
|
Autor | José Francisco Serafim |
|
Resumo Expandido | Esta comunicação tem por objetivo abordar e analisar uma temática muito frequente nas produções documentais contemporâneas, a presença do realizador no filme que tem como tema principal a sua própria história. Esses filmes autobiográficos fazem parte hoje de praticamente todos os festivais de cinema documentário, sendo que alguns são feitos na urgência, e utilizam o cinema como veículo para a compreensão de suas histórias de vida. São múltiplos os interesses que levam um diretor a se revelar, se desnudar face à câmera, mas todos têm como objetivo trazer aquilo que normalmente ficava nos bastidores da realização, ou melhor, atrás das câmeras, ousando, revelando, muitas vezes de forma constrangedora, situações de suas próprias vidas. A partir sobretudo dos anos 1980, uma grande quantidade de cineastas se especializará nessa temática, realizando obras centradas neles mesmos, em suas vidas. São exemplos desses filmes os realizados pelo norte-americano Ross McElwee, que já em um de seus primeiros filmes, Sherman’s March (1986), mostra a si mesmo e aos membros de sua família em situações cotidianas, tais como uma festa de família ou a procura de uma nova namorada, e seguiremos essas “aventuras” ao longo dos outros filmes do diretor. Para Yann Beauvais e Jean-Michel Bouhours, “a autobiografia, o carnê intimo, as confissões, os auto-retratos e o jornal de viagem são domínios que vem enriquecer o campo autobiográfico. Quer sejam filmados ou escritos, os jornais trabalham a noção de intimidade e se escrevem sob o modo do descontínuo, e se distanciam da narrativa autobiográfica, na qual a memória tem um papel orgânico essencial.” (Beauvais/Bouhours, 1995).
O caso de David Perlov é ainda mais instigante, pois ao longo de uma série de filmes que denominou Diary conhecemos sua família, esposa e filhas e vemos suas inquietações quanto à família, à profissão etc. Perlov realizou uma dezena de filmes autobiográficos que compõem um conjunto dos mais impressionantes no que concerne à filmagem do “eu” e da autobiografia. È importante sublinhar que esses cineastas estão de alguma forma retornando a um dos temas de predileção dos pais fundadores do cinematógrafo, pois os primeiros filmes dos irmãos Lumière, nos davam a ver cenas da vida familiar dos Lumière. Esses filmes darão nascimento, nomeadamente, ao cinema amador, que fará um enorme sucesso em diversas partes do mundo. Muitos desses “cineastas” não têm nenhuma pretensão a não ser o registro de cenas que desejam guardar para um futuro e compartilhar com amigos e familiares. Já outros cineastas abordam essas questões visando compreender sua postura no mundo atual e realizam uma obra particular e expressiva que consegue extrapolar o simples registro de um cotidiano muitas vezes sem interesse maior. Hervé Guibert, quando realiza em 1989 La pudeur et l’impudeur nos revela seu estado de doente com AIDS praticamente terminal, da mesma forma Johan van der Keuken em Férias prolongadas (2000) nos mostra sua busca pela cura de um câncer da próstata que o matará pouco tempo depois, ou em Tarnation (2003) de Jonathan Caouette, que tenta compreender através do filme a situação da doença mental de sua mãe. Se esses exemplos mostram a urgência na realização fílmica, aqui literalmente caso de vida e/ou morte, outros filmes encontram-se em outro registro, como é o caso de Passaporte Húngaro (2001) onde vemos a cineasta Sandra Kogut às voltas com a administração húngara na busca de obter a cidadania daquele país, ou então Kiko Goifman, que busca sua mãe biológica ao longo de 33 dias, que será igualmente o titulo de seu filme, 33 (2003). O objetivo aqui é então, de forma panorâmica, mostrar e analisar o que esses filmes têm em comum e como essas vidas são mostradas, que estratégias usam esses cineastas para se revelar no filme, como se encontra sua presença na tela, e quais dispositivos e elementos fílmicos são empregados para esta auto-mostração. |
|
Bibliografia | Avelar, José Carlos. “Eu sou trezentos”, In Cinemais. n° 36, Rio de Janeiro, 2003, pp. 87-119.
|