ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | 'Brodagem': o cinema é uma arte de irmãos |
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Autor | Amanda Mansur Custódio Nogueira |
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Resumo Expandido | Os diretores Paulo Caldas, Cláudio Assis, Marcelo Gomes e Lírio Ferreira e seus colaboradores renovaram a linguagem audiovisual no Estado de Pernambuco realizando uma produção que pelas frestas do mercado consegue impor filmes destoantes do mainstream, fugindo do conservadorismo estético. Uma vez que esses cineastas, ao optarem por caminhos autorais e individualizados, não assumem uma proposta estética em comum e diante da diversidade de sua filmografia, parece ainda pertinente perguntar: podemos falar, de fato, de um cinema pernambucano? A hipótese desta comunicação é que, por sua formação semelhante e laços de amizade, valores e sentimentos compartilhados, esses cineastas – Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Marcelo Gomes, Cláudio Assis e outros realizadores pernambucanos a eles ligados, como Hilton Lacerda e Karim Aïnouz – configuram um grupo articulado em torno de uma estrutura de sentimento, sustentada por uma disposição comum de fazer um cinema autoral na periferia da produção, que se manifesta, entre outras coisas, pela releitura de uma identidade local e pela emergência de uma prática de produção colaborativa, a “brodagem”. Recorremos à noção de estrutura de sentimento, formulada por Raymond Williams (1977), que corresponde a como nossas práticas sociais e hábitos mentais se coordenam com as formas de produção e de organização socioeconômica que as estruturam em termos do sentido que consignamos à experiência do vivido. Entre os cineastas oriundos de Pernambuco, não há orientação teórica clara ou uma proposta comum assumida. “Árido movie”, “cinema mangue”, “cinema pernambucano”. Os diretores são os primeiros a resistir a qualquer tentativa de homogeneização – e, no limite, de classificação – de sua produção. Seu reconhecimento como grupo deve-se, sobretudo, aos vínculos existentes (amizade, econômicos, ideológicos, preferências estéticas, laços afetivos e de parentesco) entre eles desde a época em que eram estudantes universitários, que se formaram juntos com a mesma vontade de fazer cinema. A estrutura de sentimento configuradora desse grupo parece estar associada, antes de qualquer coisa, à disposição de “brigar” para legitimar a possibilidade de se fazer um cinema a partir de Pernambuco, contrapondo-se à histórica concentração da produção audiovisual no Sudeste. O “companheirismo”, o “coleguismo”, a “doação de idéias e de serviços”, faz parte de mais uma característica definidora da estrutura de sentimento desse grupo: a prática de produção colaborativa, ou como é chamada em Pernambuco, a “brodagem”, um termo que remete, de modo geral, a um conjunto de reciprocidades e jogos de interesses apoiados numa lógica que parte do pessoal para o profissional. Sendo assim, o que há em comum entre os personagens escatológicos de Cláudio Assis, na melancolia alegre do Deserto Feliz de Paulo Caldas, na modéstia diante do real e no minimalismo narrativo de Cinema, Aspirinas e Urubus de Marcelo Gomes, e ao lisérgico sertão de Árido Movie de Lírio Ferreira? O fato de que todos tiveram a mesma formação e a mesma vocação, a de fazer cinema a partir de Pernambuco. Os cineastas de Pernambuco “inventaram” um modo de produzir juntos. As marcas históricas deixadas pelos jovens do Ciclo do Recife, que tiveram que unir forças para tornar possível a realização de filmes na cidade, são herdadas pelo grupo de cineastas do cinema contemporâneo de Pernambuco. Impulsionados pela mesma motivação de outras gerações de cineastas pernambucanos – a de avocar uma produção audiovisual para o Estado –, esses realizadores empreendem um novo ciclo de cinema em Pernambuco. |
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Bibliografia | CEVASCO, Maria Elisa (2001) Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.
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