ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | A reinvenção da mise en scène no vídeo de artista |
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Autor | Milena de Lima Travassos |
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Resumo Expandido | A ação de caráter performático é o eixo estruturante de: "Lacrimacorpus" de Janaína Tschape, "Maria farinha" de Brígida Baltar e "Acima do nível do mar" de Waléria Américo. As ações executadas nesses trabalhos são constituídas por gestos aparentemente simples e banais, cuja repetição e/ou contexto desnaturalizam a cena. Tais ações/gestos, quando engendrados com os elementos postos em cena se transformam em situações extra-cotidianas, em cenas com um grande teor de fabulação. A presente analise pretendeu revelar a centralidade do meio vídeo na configuração dessas propostas, por isso apontamos a pertinência das noções de cena, ponto de vista e mise en scène, como alguns dos elementos articuladores para pensar essa produção. Esses elementos ampliam as possibilidades de compreensão do sentido poético e político do modus operandi dessa produção. Potencializamos a idéia de mise en scène como mediadora dos efeitos do agenciamento escópico imposto pelo ponto de vista na estruturação do visível, pois uma analise centrada apenas no corpo performático acabaria por dispensar a cena como agenciadora de sentido, implicando o corpo numa afirmação auto-referente e narcisista. As ações desses corpos: rodar, cavar, construir, não são uma prolongação de uma resposta motora às urgências do cotidiano, mesmo seu automatismo é quebrado, interrompido, o corpo em ação é reinventado. Problematizando essa reinvenção na composição da cena partimos do conceito de gestus desenvolvido por Brecht em sua teoria do teatro épico. Conceito este fundamental para tencionarmos a gestualidade e a corporeidade implicadas nesses trabalhos para além de uma tautologia da própria ação. Essa relação com o gestus brechtiano foi mediada por três autores: G. Deleuze, R. Barthes e W. Benjamin. Trabalhar com o gestus coloca a possibilidade de pensá-lo em sua dimensão política, como gestus social, e, em sua dimensão estética, musical e pictórica. Pensar esse gestus implica uma percepção da cena como composição de um campo de forças, fluxos, cortes, acelerações, desacelerações, reinvenções espaciais. O diferencial do gestus é sua possibilidade de estabelecer conexões para além da cena. A cena existe como resíduo das forças em relação, não se trata de uma simples representação, mas de linhas de forças agindo umas sobre as outras. A análise das obras foi dividida em três momentos. I. Gesto esgotado/ mise en scène alegórica: Em "Lacrimacorpus" locação, figurino, música remetem ao século XVIII, uma personagem alegórica, talvez uma Charlotte de Goethe, recebe corda para um rodopio dentro da ‘sala/caixa de música’, ela é observada do alto por um olho estático, aqui o ponto de vista cria a quarta parede. Na cena um corpo enclausurado, e, a principio, contido, rodopia, exorciza-se até perder suas forças e cair no meio do salão. No crescente da música o fluxo da ação se intensifica culminando num esgotamento, ela poderia pular pela janela, mas vai ao chão,uma dissolução do acontecimento no gesto. II. Gesto em desvio/ mise en scène fábula: Em "Maria farinha" dar-se uma pequena fábula sobre um ser inquieto que mora na areia, a câmera, do mesmo modo inquieta, mimetiza o personagem. Uma mulher-crustáceo cava, inquietantemente, vários buracos na areia de uma praia: procura? fuga? instinto? Na cena, o ponto de vista agitado, causa em nós uma sensação de observadores/invasores. Para a Maria-farinha a tranqüilidade só se dá em seu esconderijo acima da linha da maré. III. Gesto acumulo/ mise en scène elíptica: Em "Acima do nível do mar" a performer constrói, pouco a pouco, tijolo a tijolo, um muro, ao erguê-lo, coloca-se em seu alto. A Olhar mar? O tempo? Olhar do alto? Ou pura "mirabilia”? As entradas e saídas da performer tencionam uma relação campo/extra-campo, enquanto o ponto de vista da câmera, em um enquadramento aparentemente fixo, vai de um plongée a um contra-plongée, num fluxo inverso a construção do muro.Se tínhamos areia rasa, passamos a ter céu profundo. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O Olhar Interminável. São Paulo: CosacNaif, 2004.
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