ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Por uma outra economia do olhar: a visualidade háptica na videocriação |
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Autor | osmar gonçalves dos reis filho |
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Resumo Expandido | Nos últimos anos, temos observado nas práticas ligadas à videocriação uma tendência a se trabalhar com imagens precárias, imagens que nos aparecem como um vestígio, como um rumor, algo ainda por vir. Trabalhos como os de Gary Hill e Pipilotti Rist, por exemplo – que circularam em duas grandes exposições pelo Brasil ano passado – nos apresentam imagens instáveis, difíceis de ver, imagens que parecem manifestar uma espécie de crise ou falência da visão. Diante delas, de fato, o olhar é precário. Aqui, a visão se vê obrigada a abandonar certo grau de domínio ou de controle e a colocar em movimento outro modo de ver, outra economia do olhar.
Nesse contexto, somos convidados a abrir mão da distância e da clareza ótica proporcionadas pela produção audiovisual hegemônica e colocar em movimento um olhar íntimo e cuidadoso. Um olhar próximo, atento aos detalhes, à superfície, aos pequenos eventos que emergem na imagem. Essa é uma visualidade que podemos chamar, juntamente com Gilles Deleuze e Feliz Guattari, de háptica. Isto é, uma forma de visualidade que induz um espaço e um modo de percepção mais tátil do que visual, uma percepção próxima, funcionando pelo toque. Na visualidade háptica, dizem os filósofos franceses, os olhos funcionam, eles mesmos, como órgãos de toque, como uma forma de contato. Nosso intuito nessa apresentação é questionar o que está em jogo nesse tipo de visualidade/percepção. Por que um número cada vez maior de artistas tem lançado mão desse tipo de imagens? Que agenciamentos estéticos, éticos e epistemológicos são produzidos por essa nova forma de visualidade? Segundo Laura Marks, as imagens hápticas apontam quase sempre para um limite. Há sempre algo que não se vê nelas. Há sempre alguma coisa que permanece fora, que se mantém invisível, misteriosa. Aqui, os objetos da visão são mais sugeridos e esboçados do que propriamente representados. Nesses casos, o espectador é encorajado a se envolver de modo mais crítico com a imagem. Ele é convidado a abandonar uma postura passiva e a participar na construção imaginativa da imagem, a preencher suas lacunas. Vivian Sobchack chama esse tipo de visão de volitiva ou deliberada. Para a teórica americana, ele se distingue de um modo acrítico, aparentemente pré-determinado de visão, na medida em que o espectador deve trabalhar ativamente para constituir a imagem, para trazê-la do estado de latência em que se encontra, de sua infância, diríamos. Essas imagens parecem ter também uma qualidade erótica. Um erotismo que não vem daquilo que é representado – ainda que muitas dessas obras trabalhem com o corpo ou com temas ligados à sexualidade, como Ginas Mobile (2007), de Rist e Retratos in Motion: o beijo (2005), de Luiz duVa – mas da própria relação próxima, tátil e encarnada que a visualidade háptica encoraja. Nela, somos convidados a abrir mão da distância e nos aproximar do corpo da imagem. Em muitos vídeos e instalações, há uma verdadeira confusão, um entrelaçamento entre sujeito e objeto, uma relação onde perdemos a noção de nossas próprias fronteiras. Aqui, somos convidados a abrir mão de um controle sobre nós e sobre o outro. Eis aí a quintessência mesma do erótico: a capacidade de oscilar entre o abandono e o controle de si. Mais do que controle, portanto, mais do que domínio (normalmente associados à visualidade ótica), a visualidade háptica parece estar interessada em tocar, em sentir, em “acariciar” o outro. Gostaríamos de discutir aqui essas questões, colocando-as em diálogo com duas vídeo instalações contemporâneas: Homo sapiens sapiens (2005), de Pipilotti Rist e Supension of Disbelief (1992), de Gary Hill. Nossa hipótese é de que nessas obras, e na imagem háptica de modo geral, existe um intenso desejo de presença, a vontade de se restabelecer um contato sensível e corporalizado com os objetos e com as imagens em si mesmas. Um contato no qual podemos experimentar não apenas a representação, o simbólico, mas a própria materialidade dos meios. |
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Bibliografia | DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O liso e o estriado. Trad. Peter Pál Pelbart. In. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 179-214.
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