ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Glauber Rocha, Cinema e Performance |
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Autor | adeilton lima da silva |
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Resumo Expandido | Há uma cena curiosa de Glauber Rocha atuando no cinema, dirigido por ninguém menos que Jean-Luc Godard. O filme é Vento do Leste (1970), e Glauber interpreta a si mesmo, numa encruzilhada, de braços abertos, dialogando com uma mulher grávida sobre os rumos do cinema no mundo atual. Ele indica caminhos possíveis para o cinema, do comercial, hollywoodiano, ao cinema experimental, revolucionário.
Revisitar a obra de Glauber Rocha, cujos filmes finalmente vêm sendo restaurados, é exercício instigante pelos desafios e descobertas que ainda nos possibilita. A tela glauberiana é ainda, em pleno século XXI, um furacão em constante erupção de idéias e provocações, explorando um universo de linguagens e novas mídias com as quais o cinema vem dialogando. O que pretendemos abordar nesta comunicação são as tênues fronteiras entre vida e arte, cinema,poesia e performance nas quais viveu Glauber Rocha, do homem ao performer, do artista ao homem em seus radicalismos românticos e exacerbados, porém com uma visão de Brasil consciente e apaixonada na defesa de nossos valores culturais e históricos. Nada de “psicologismos”, apenas a tríade homem, arte e sociedade. Mais adiante, analisaremos, como recorte demonstrativo, algumas seqüências do polêmico curta Di Cavalcanti (1977) que, de certa forma, antecipa o estilo performático de Glauber no programa Abertura, na Tv TUPI, em 1979. As aproximações com o pensamento e a obra de Antonin Artaud são claras e identificáveis, como já demonstramos em trabalho anterior, A Estética Teatral no Cinema de Glauber Rocha, dissertação de mestrado defendida em 2007, no Departamento de Teoria Literária e Literaturas (UnB). A propósito dessas tênues fronteiras entre vida e arte, e do parentesco artístico entre Glauber e Artaud, lembremo-nos de uma célebre palestra apresentada por Artaud na Sorbonne, em 1947, e descrita por sua amiga e confidente, a escritora Anaïs Nin. Conforme o poeta Cláudio Willer, que traduziu textos de Artaud no Brasil, “tal situação seria considerada uma performance” (Willer, 1983, p.163). Assim Anaïs Nin descreveu o que testemunhou: Artaud magro, tenso. Um rosto escavado, olhos de visionário, modos sarcásticos. Ora cansado, ora ardente e sardônico. Ele falou dos antigos ritos de sangue. O poder do contágio. A religião antiga sabia organizar ritos que tornavam contagiosos a fé e o êxtase. O poder dos ritos desapareceu. Ele quer devolver isso ao teatro. Hoje em dia ninguém é capaz de compartilhar uma sensação com o outro. E Antonin Artaud quer que o teatro realize isso, que esteja no centro, que seja um rito que nos desperte a todos. Ele quer gritar de tal forma que as pessoas sejam novamente reconduzidas ao fervor e ao êxtase. Nada de palavras. Nada de análise. O contágio pela representação de estados de êxtase. Nada de encenação objetiva, mas um rito no meio do público (Willer, idem, p.164). Na seqüência, o que se vê é Artaud não exatamente falando sobre o teatro e a peste, mas incorporando uma pessoa possuída pela mesma (e/ou pelo teatro). O cinema de Glauber Rocha é esse “grito interior” e esse rito, aquela tentativa de compartilhar uma mesma sensação com o outro. É significativamente essa “incorporação” que através do ritual artístico se transforma em ação de vida e de cotidiano, uma espécie de “cinema da crueldade”. Algo tão prazeroso, impactante e contagiante que a crítica conservadora preferiu classificar como hermético e difícil, sem perceber que a vida pulsava ali ao lado, como fora com Artaud em sua época (entre os anos 20 e 40, período áureo de sua produção). É, portanto, essa estética que nos interessa estudar. Uma estética que nasce e elabora-se no próprio cotidiano do artista e transforma-se em ação artística, em performance, ligando a vida, o palco e a tela. O Teatro da Crueldade e a Estética da Fome cruzam-se nas fronteiras do duplo e/ou nas múltiplas identidades do avesso, do avesso, avesso... |
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Bibliografia | ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Trad. Teixeira Coelho. São Paulo, Ed. Max Limonad, 1984.
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