ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Um filme para cinema, um episódio para TV: o caso da adaptação dupla de "O louco do Cati" |
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Autor | Fabiano Grendene de Souza |
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Resumo Expandido | No que tange às aproximações entre cinema e televisão, há uma prática de realização que vem se destacando não só por aproximar os dois meios, mas também por possibilitar um olhar singular sobre a questão da adaptação de obras literárias. Trata-se da transposição de um livro, que origina versões diferentes, uma para cinema, outra para a televisão. Um exemplo disto aconteceu no Rio Grande do Sul: "O louco do Cati" (1942), de Dyonelio Machado, serviu de base para uma adaptação livre que gerou um longa-metragem ("A última estrada da praia", 2010, 94 minutos) e um episódio unitário da série Escritores ("O louco", RBS TV, 2007, 26 minutos). As duas produções foram filmadas ao mesmo tempo, pela mesma equipe, tendo o proponente deste trabalho participado como roteirista e diretor. Na elaboração dos roteiros, as diferenças entre cada versão se restringiam basicamente a questões narrativas: na obra mais extensa, os personagens eram evidentemente mais desenvolvidos, em um número maior de cenas – porém, o desenlace e a forma de manipulação da linguagem audiovisual eram muito parecidos. A sinopse das duas versões, inclusive, poderia ser a mesma: um sujeito que não fala uma palavra sequer, com pânico de ambulância, une-se a uma turma de amigos em uma viagem pela praia. Depois de uma briga, ele ruma com o líder do grupo por areias desertas do litoral gaúcho. No final, acaba abandonado pelo companheiro e vaga por uma estrada. Após a montagem final das duas versões, as propostas, de maneira geral, mantiveram similaridade: ambas apresentam elementos que atuam em oposição ao que se convencionou chamar de narração clássica (David Bordwell, 1985). Do ponto de vista narrativo, o personagem com objetivos claros que trafega por cenas encadeadas através de relações de causa e efeito é substituído pelo protagonista de motivações vagas que singra entre acontecimentos de maneira casual. Em termos de estilo, as produções rompem com as regras de continuidade, priorizando os faux raccords, a quebra de eixo e a abundância de elipses. Ao mesmo tempo, as realizações incorporam um dos procedimentos canônicos do cinema modernista, o acaso (Noël Burch, 1992). Porém, uma abordagem mais detalhada, ancorada nos métodos de David Bordwell (1985, 2008) e Kristin Thompson (2003), pode revelar um afastamento de registro das duas adaptações. Para isto, o trabalho apresenta uma análise comparativa da sequência final de cada produção, buscando demonstrar as rupturas entre as concepções de narrativa (construção do personagem principal, organização dramática) e de estilo (forma de união dos planos). Na ficção televisual, o personagem dá sinais de que deixará de ser inativo, demonstrando a possibilidade de se livrar rapidamente de seu trauma. Já no encerramento do filme, o protagonista é visto como alguém ainda estático, bloqueado, e a resolução de seu problema parece mais difícil. Ao mesmo tempo, nas sequências finais, há pelo menos dois instantes em que a manipulação dos planos é distinta: enquanto o episódio de televisão apresenta tomadas mais fechadas e utilização do esquema “campo/contracampo”, o filme permanece em enquadramentos mais abertos. Então, busca-se verificar se o final do episódio apresenta uma ruptura em sua narração, adotando ali um padrão mais próximo do classicismo, principalmente pela construção de um desfecho redentor. Aliado a isso, investiga-se se o filme permanece mais afeito ao cinema moderno, pela utilização de um anticlímax. Dentro deste debate, é relevante questionar a influência dos meios nas escolhas: a opção por um final mais feliz e a preferência por planos fechados podem ter sido influenciadas pela exibição em televisão? Por outro lado, como o fato do episódio ter sido gravado junto com um filme influenciou a estética do programa? A partir destas indagações e das reflexões anteriores, pode-se pensar um pouco mais na relação entre cinema e televisão, destacando como a mesma linguagem pode ser usada de maneira similar e diversa ao mesmo tempo. |
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Bibliografia | BORDWELL, David. Narration in the Fiction Film. Madison: University of Wisconsin, 1985.
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