ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Elementos estilísticos da trilogia Qatsi |
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Autor | André Bonotto |
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Resumo Expandido | Analisaremos elementos estilísticos da trilogia Qatsi, centrando-nos em três elementos: a dissociação imagem-música, com a articulação de uma fragmentação visual sobre um continuum musical; a presença dos movimentos aberrantes (de aceleração e desaceleração); e a primazia que adquire a imagem midiática e eletrônica.
Iniciamos observando a articulação das narrativas. As narrativas da trilogia Qatsi não se utilizam da palavra ou da fala para se articularem. Tampouco se utilizam de personagens. Como então se desenvolvem os componentes visual e sonoro? Nos dois primeiros filmes temos tomadas as mais diversificadas, a comporem esse “mosaico” de modos de vida (qatsi = vida). As ações e situações em geral não se prolongam de um plano a outro. Em Naqoyqatsi, a quantidade de tomadas é baixa, sendo a narrativa composta principalmente por imagens sintéticas e de arquivo. Daí falar numa fragmentação das imagens, visto sua heterogeneidade em relação às imagens que as precedem ou sucedem. De forma contrária, o componente sonoro, constituído essencialmente da trilha musical, articula-se através de um continuum, com faixas musicais longas marcando incessantemente as seqüências. Torna-se então apreensível a relação entre os componentes: uma dissociação do visual e do sonoro. Num segundo momento evidenciamos os movimentos. Em Koyaanisqatsi é intensa a presença da imagem acelerada e da aceleração, inerente ao modo de vida representado. Já em Powaqqatsi, a desaceleração das imagens cria uma temporalidade distendida para o ato de vê-las, um tempo próprio ao mito, difuso pelo filme. Em Naqoyqatsi, por sua vez, incidiriam os dois movimentos anteriores, cujo choque formaria o estado de conflito generalizado. Toda a trilogia se articula através desses movimentos aberrantes, movimentos que desestruturam as relações localizáveis de ações e reações. Dessa forma, os filmes da trilogia instauram um regime imagético-narrativo onde, tanto seu aspecto de mosaico (fragmentação visual), quanto a presença dos movimentos aberrantes, não possibilitam o encadeamento de ações e reações a situações. Em terceiro lugar abordamos as imagens midiáticas e eletrônicas. Naqoyqatsi se compõe utilizando imagens dos mais diversos tipos, onde se destacam as imagens midiáticas e as imagens eletronicamente processadas, numa composição visual que parece se afastar da das duas narrativas anteriores. Contudo, ao se observar melhor os materiais de composição das três narrativas, percebe-se que a presença desses dois tipos de imagem não é exclusiva a Naqoyqasti. Em Koyaanisqatsi já se via a inserção da imagem midiática nas tomadas de pessoas frente a emissões televisivas, e nas tomadas de uma estrutura de monitores televisivos ligados num fluxo acelerado de transmissão. Em Powaqqatsi havia uma curta seqüência composta de publicidade e jornalismo televisivos, transcorrendo numa velocidade desacelerada. Tendo então primeiro aparecido em Koyaanisqatsi numa intensa aceleração das emissões televisivas, e depois em Powaqqatsi num lento ofertar ludibriante, a imagem midiática pode então irromper na narrativa de Naqoyqatsi com toda a sua força, num deslizar das imagens umas sobre as outras. A passagem na última seqüência de Koyaanisqatsi, onde a cidade (e a tela) torna(m)-se momentaneamente uma superfície de informações eletrônica, pela comparação cidade/chip, era já uma prefiguração da dimensão que adquire o eletrônico em Naqoyqatsi, onde “a locação é agora a imagem”, e a tela é como uma “mesa de dados”. Os três elementos estilísticos observados, encadeam-se entre si e relacionam-se ainda a um estado de coisas da imagem na contemporaneidade. Situaríamos neste contexto o projeto fílmico do diretor, num movimento pelo qual o cinema “estabelece relações específicas com o vídeo, com a eletrônica, as imagens digitais”, inventando uma nova resistência que “se oporia a uma função midiática de vigilância e de controle”. Opera-se como que uma convulsão imagem-tecnologia. |
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Bibliografia | BONOTTO, André. Trilogia Qatsi: visões e movimentos de mundo [Dissertação de Mestrado]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Artes, 2009.
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