ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | 'Triomf': uma derrota anunciada |
|
Autor | José Gatti |
|
Resumo Expandido | Dando continuidade ao trabalho apresentado no Encontro passado, proponho a análise de mais um filme em que a história recente da África do Sul é revista. Neste caso, abordarei "Triomf", filme dirigido por Michael Raeburn e recebido com entusiasmo no Festival de Cannes em 2008 e na Mostra de São Paulo em 2009. O filme, definido pelo diretor como uma "comédia hilária e horrível", é baseado no livro do mesmo nome, de Marlene van Niekirk. "Triomf" arrebatou a maioria dos prêmios nos festivais sul-africanos em 2008 e vem se mantendo em cartaz por mais de um ano, em pequenas salas das principais cidades sul-africanas.
Escrito por uma autora africaner, dirigido por um anglo-sul-africano e estrelado por um elenco multiétnico, "Triomf" vem se juntar a um corpus que eu denominaria "obras de má consciência", em que autores e autoras sul-africanos de origem européia revêem sua história pós-apartheid com um olhar amargo e, me arrisco a dizer, com certo desencanto por oportunidades perdidas e um limitado otimismo. Triomf é o nome que as autoridades africâners deram ao bairro de Johanesburgo originalmente chamado Sophiatown, habitado por negros até o início dos anos 1960. Naquele momento, as autoridades decidiram que o bairro deveria abrigar conjuntos habitacionais para brancos pobres e, dentro da política de segregação do apartheid, essa mudança causaria o inchaço e acentuaria a degradação de áreas suburbanas como Soweto -- hoje um dos maiores aglomerados urbanos da África. É importante salientar, ainda, que a destruição de Sophiatown implicou na destruição de um vibrante centro de cultura negra, que abrigava, entre outras manifestações, uma imprensa anti-apartheid, como a revista Drum. Sobre esse período áureo da imprensa não-segregada dos anos 1950, foi realizado um melodrama político realista dirigido por Zola Maseko em 2004, intitulado justamente Drum -- uma co-produção de caráter comercial, que incluiu atores como o norte-americano Taylor Diggs, que sequer se preocupou em aprender o sotaque local. "Triomf", por sua vez, não é um filme realista. A história se passa em 1994, momento em que Nelson Mandela é eleito presidente do país, e é centrada nos delírios do africâner Treppie, que mora com sua irmã, cunhado e sobrinho numa casa semi-destruída do bairro. Com a mudanca política, Treppie testemunha com amargor a chegada dos primeiros habitantes não-brancos e não-heterossexuais ao bairro, algo que significa, para sua família, a destruição de seu mundo. A solidez desse mundo é radicalmente questionada no filme. Treppie busca uma garota (negra) para que seu sobrinho Lambert (mentalmente perturbado) possa ter uma experiência sexual, e essa saga é marcada por delírios dos personagens, cuja visão de mundo é habitada por ratos gigantes e luzes distorcidas. Neste trabalho, procuro examinar algumas convenções do cinema surrealista que Raeburn põe em prática em "Triomf. O filme atribui novas significações a cenas evidentemente documentais -- como uma passeata pró-Mandela, que festivamente surpreendem e acolhem a apavorada família de Treppie, aprisionada um um fusca. O discurso aparentemente triunfalista e de superioridade racial da família de Treppie -- família que é, na realidade, cultural e materialmente pobre e, como se conclui ao final, incestuosa -- é assim contrabalançado por uma realidade inexorável, que não lhe reserva mais espaço. |
|
Bibliografia | Boonen, Marc, Roetes: Conversations & Reflections on South-African Cinema, Antwerpen: 14th Open Doek Film Festival, 2006, 112 pp.
|