ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Por um cinema do olhar: a autoria cinematográfica em questão |
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Autor | Michael Peixoto |
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Resumo Expandido | Jamais houve consenso, em toda a história do cinema, sobre a autoria. Questões sobre quem personifica a imagem do “autor de filmes”, ou mesmo qual seria o seu âmbito de controle sobre a obra, permeiam as discussões artísticas e teóricas sobre o cinema desde as primeiras décadas do século XX, logo que se consagrou no formato narrativo, e ainda hoje persistem no imaginário de quem se interessa estética e teoricamente por ele. Não pretendo aqui apresentar respostas a estas perguntas, secundarizando as atribuições específicas do “autor de filmes” (e mesmo não buscando afirmar quem ocuparia este papel), e focando na jornada que o conceito de autoria percorreu na história do cinema. Jornada, sem dúvida, repleta de polêmicas e contradições, quais busco contemplar nesta investigação. As primeiras reflexões sobre a autoria cinematográfica podem ser verificadas já no período do chamado cinema mudo, quando alguns teóricos buscaram legitimar o cinema como arte. Rudolf Arnheim foi um dos primeiros a destacar a figura do diretor enquanto “artista de cinema”. Dentro de uma tradição formalista, Arnheim acreditava que todo artista/diretor devia ter um “plano” a ficar claro para que o espectador possa acessar e seguir, assim deixando explícito o “filtro do olhar” sobre a realidade. Neste sentido, de fuga de uma representação mimética/realista, a autoria problematizada por Arnheim pode ser relacionada com as defesas das vanguardas artísticas que se infiltraram no cinema nos anos de 1910 e se consagraram no decorrer da década seguinte. Tanto o expressionismo alemão (em sua busca por projetar a “visão interior das personagens”), quanto o impressionismo francês (priorizando a “musicalidade implícita” da composição cênica), transpuseram a autoria das outras artes para o cinema de forma direta, reproduzindo a ideia do artista (novamente aqui associado ao cineasta) como detentor da “forma verdadeira” e dos meios de apresentá-la ao espectador em um ato de criação legítima. A autoria voltou a ser problematizada, já desvinculada da necessidade de provar o caráter artístico do cinema, a partir do artigo de Alexandre Astruc, publicado em 1948, no qual abordava a tomada de consciência dos processos de realização, que permitiria então a atuação de uma “câmera-caneta”, instrumento de expressão do pensamento de forma direta sobre a película. A “câmera-caneta” de Astruc está relacionada diretamente com a emergência de uma nova forma de pensar e fazer cinema, que mais tarde seria convencionada como “cinema moderno” (Deleuze), ou a “chegada da idade adulta do cinema”, como coloca Aumont. Na perspectiva de pensar outros usos para os mesmos instrumentos, de encarar a câmera como caneta e o filme como expressão do pensamento, surgiram uma série de movimentos nos quais a autoria atuou como eixo teórico. A nouvelle vague francesa, por exemplo, foi obrigada a adaptar muitos dos conceitos criados pela “política dos autores” - método de análise fílmica desenvolvido por um grupo de críticos da Cahiers du Cinéma. Assim, em um processo gradual de negociação, caiu por terra a noção de “autor total” e trabalhou-se na perspectiva de equipe colaborativa na busca por iluminar zonas de sombra das ideias centrais. Já no contexto brasileiro, o movimento do Cinema Novo (denominado por Xavier como “a versão brasileira de uma política do autor”) propôs a reformulação do conceito de autoria, adaptado às problemáticas específicas do cenário. Enquanto o foco da nouvelle vague estava direcionado mais para “o como” do que para o “o quê”, nas defesas do Cinema Novo a estética torna-se secundária ao conteúdo, ou melhor, obedece ao conteúdo ao invés de se impor a ele. A autoria então se emancipa da preocupação unicamente com os recursos estéticos e de linguagem próprios do cinema e passar a promover reflexão sobre a estética do filme em consonância com os olhares sobre uma determinada realidade social. |
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Bibliografia | ARNHEIM, Rudolf. “El cine como arte.” Barcelona: Paidós, 1996. ASTRUC, Alexandre. “Naissance d'une nouvelle avant-garde:la caméra-stylo”. In: “L'Ecran Français". Paris, 30 mar 1948. AUMONT, Jacques. “Moderno? Por que o cinema se tornou a mais singular das artes.” Campinas: Papirus, 2008. BAZIN, André. “O cinema”. São Paulo: Brasiliense, 1991. DELEUZE, Gilles. “Cinema 2: a imagem-tempo.” São Paulo: Brasiliense, 2007. PARENTE, André. “Ensaios sobre o cinema do simulacro.” Rio de Janeiro: Pazulin, 1998. ROCHA, Glauber. “Revisão crítica do cinema brasileiro.” São Paulo: Cosac Naify, 2003. STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema.” Campinas: Papirus, 2006. TRUFFAUT, François. “O prazer dos olhos”. Rio Janeiro: Jorge Zahar, 2006. TRUFFAUT, François. “Une certain tendance du cinéma français.” In: “Cahiers du Cinéma”, Paris, jan.1954, pp.15-28. XAVIER, Ismail. “O discurso cinematográfico.” Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. |