ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Explorando o som do Mutum |
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Autor | Davina Marques |
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Resumo Expandido | Este trabalho discute o filme “Mutum”, de Sandra Kogut (2007), a partir de um estudo de sua trilha sonora. Trata-se de uma adaptação da obra literária de João Guimarães Rosa, “Campo Geral”. Em entrevista, a diretora afirma que aqueles que se inspiram na obra de Rosa para fazer cinema muitas vezes tentam explorar a linguagem do escritor. No caso de “Mutum”, decidiu-se trilhar outros caminhos, entre eles, o da sonoridade. Construiu-se, assim, algo que a roteirista Ana Luiza B. Martins Costa e a diretora chamam de trilha acústica (e não trilha sonora), composta de sons do lugar, do interior de Minas Gerais, espaço escolhido para a filmagem. Isto chama a atenção de quem vê o filme e, no meu caso, provocou um desejo de mapear essa geografia sonora (SCHAFER, 2001), observando de que maneira essa escolha contribui para a construção do filme como um todo. Explorarei também, nesta discussão sobre o som, o aspecto fabulação, deleuziano, apontando possíveis desdobramentos políticos dessa escolha. “Ser político é mostrar um povo que falta” (DELEUZE, 2007, p.323). Em “Mutum”, Kogut nos mostra também o som que falta. Este fazer artístico inspirado por Rosa não combina com o fazer em linguagem dominante. Em sua vontade de arte, Kogut explorou pequenas outras coisas. Em alguns momentos temos a integração completa entre som e imagem. Em outros, é tão somente o som que faz com que a imagem, na tela, extrapole o estatuto de fotografia em imagens sem movimento. O som, neste filme, provoca em nós a afecção (afeto, em oposição à ação de outros filmes comerciais) e faz com que nos emocionemos redobradamente com a história do menino Miguilim. É possível afirmar que o filme recupera a sensibilidade da personagem literária, afinando nossos ouvidos, recriando a narrativa rosiana em lacunas, elipses, silêncios, remetendo-nos a um bloco de sensações, a uma condição de infância, de povo, segundo conceitos da filosofia francesa contemporânea de Gilles Deleuze e de Félix Guattari.
Analisaremos a construção dessa trilha acústica que busca recriar um mundo povoado de sons de bichos, ventos, águas, vozes, risos e choros, que ajuda a compor o sertão rosiano. Aqui, aproveitamos os conceitos filosóficos, mais especificamente aquilo que diz respeito às relações da arte e da terra. Os referenciais sonoros nos remetem ao ritornelo deleuziano, que se compõe de ritmos. Na arte literária, o ritmo explora o igual-desigual, instala momentos críticos que servem de liga ou de passagem a personagens, provoca uma mudança de direção. O ritmo faz aterrissar, ou alçar vôos. A repetição produz o ritmo, mas leva a passagens, pontes e travessias. Acompanham-se as personagens nesses movimentos. No cinema, o ritmo se faz talvez, ainda mais visível-audível, na combinação imagem-som, película-trilha. A ausência ou a presença de sons acompanhando determinada cena produzem efeitos, intensificam uma ideia, causam impressões. Nosso objetivo é explorar de que maneira isso se dá em “Mutum”. Em encontros da filosofia com a arte, procuramos leituras ampliadas dessa obra. De que maneira as forças da terra se constituem nos planos de composição dos artistas? Aquilo que é local e salta, forte presença na vida do homem, é o plano de composição de João Guimarães Rosa e o plano de composição de Sandra Kogut, e é neste aspecto que os dois se aproximam: a sonoridade da linguagem escrita no livro, a trilha acústica na obra fílmica. Pequenas coisas chamam a atenção: cutucar a madeira, ouvir o som das moscas... Se o sertão de Rosa é o mundo, as chapadas de Minas onde Kogut filmou são também o mundo, um mundo onde há tristezas, mas que é bonito, definitivamente belo. Mais do que a uma região geográfica, um bloco de sensações. |
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Bibliografia | Referências Bibliográficas
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