ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Figuras da impotência: traços do anti-erotismo em A Freira e a Tortura |
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Autor | FABIO RADDI UCHOA |
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Resumo Expandido | Embora Candeias seja conhecido como um dos pais do Cinema Marginal, sua obra não se restringe ao diálogo com a agressão e a precariedade da produção, típicos na filmografia marginal. Alguns de seus filmes apresentam pontos de contato com subgêneros cinematográficos próprios a produções da Boca do Lixo paulista dos anos 1960-70. Como se sabe, além de habitar, documentar e fotografar a região da Rua do Triunfo, Candeias participou de dezenas comédias eróticas como diretor de fotografia e fotografo de still. O diálogo de fitas do cineasta com o ciclo cinematográfico erótico, conjunto de filmes estudado por Inimá Simões e Nuno César Abreu, se dá a partir de um processo de incorporação e negação. No caso do filme A freira e a tortura (1983), a produção envolve pouco dinheiro, rapidez, contato com o exibidor e ênfase à nudez dos corpos. A dupla principal de personagens foi realizada por figuras conhecidas na Boca do Lixo: o produtor e galã David Cardoso e a atriz Vera Gimenez. O tratamento estilístico dado aos corpos, porém, sugere um tipo de erotismo diferente daquele presente nas comédias eróticas. Não está em pauta propiciar prazer ao público masculino. Ao contrário, as diversas seqüências envolvendo tentativas de coito explicitam o nojo, a impotência e o ato de broxar.
O principal objetivo deste trabalho é explorar a noção de anti-erotismo em A freira e a tortura. O termo já foi esboçado por críticos como Paulo Emilio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet e Carlos Augusto Calil ao abordar o curta Zezero (1974), de Ozualdo Candeias. Trata-se de uma sexualidade animalizada e violenta, relacionada à exploração individual, social ou familiar em um mundo sem saídas. Em A freira e a tortura, a representação corporal está associada à impotência do delegado torturador, e também, à castração imposta pela igreja a uma freira. O filme é uma adaptação da peça O milagre na Cela, de Jorge de Andrade, que denuncia as torturas realizadas pela polícia brasileira durante os anos 1960-70. Apresenta a história de uma freira, que é capturada durante o regime militar e acusada de subversão. Levada para uma prisão isolada nos arrabaldes de São Paulo, sofre diversas tentativas de tortura, por meio de ameaças sexuais feitas pelo delegado. O principal conflito se dá entre pureza da moça e a maldade do torturador, que tenta em vão estuprá-la. Aliás, nenhum dos policiais, carcereiros ou presidiários consegue abusá-la sexualmente: brocham ou curvam-se frente a sua bondade. O conflito acima descrito aparece na trama do filme, construído a partir dos embates corporais. Seja nas seqüências envolvendo o delegado e a freira, seja naquelas onde os presidiários fazem sexo com uma prostituta, a figura da impotência é reafirmada. O tipo de iluminação contribui para a rarefação do delineamento dos corpos. Os movimentos grotescos e as risadas sarcásticas levam à animalização dos personagens masculinos, que não aparecem como machos viris, mas como dejetos de corpos animalizados. O cassetete de borracha transforma-se num objeto de consolo, recorrido por machos impotentes frente à mulher, que neste filme é representada como o sexo poderoso e dominador. Neste filme de Candeias, a impotência possui um endereço certo: ironizar a polícia, protestar contra o regime militar num momento de reabertura. Tal impotência possui também uma configuração certa: as interações corporais envolvendo corpos nus, contribuindo para a idéia de anti-erotismo. No contexto cinematográfico, o diálogo a ser buscado é com o erotismo próprio à comédia erótica. Trata-se, porém, de um anti-diálogo. O mesmo permite a formulação de uma hipótese geral para a obra ficcional de Candeias: os filmes deste cineasta dialogam com os respectivos contextos cinematográficos a partir da negação. |
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Bibliografia | ABREU, Nuno César. Olhar Pornô: a representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.
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