ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Dias de Nietzsche em Turim de Júlio Bressane: o aforismo em imagem |
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Autor | Adriano Carvalho Araújo e Sousa |
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Resumo Expandido | Nietzsche é considerado um signo da cultura, em séries literárias e filosóficas ocidentais, que Júlio Bressane aborda segundo o processo de transcriação. Haroldo de Campos define o procedimento como traduzir o próprio signo, “ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma [...] propriedades sonoras [e] de imagética visual”, tudo o que remete à complexidade do original, do signo estético. O significado torna-se a baliza, mas visa-se algo mais que a forma, um “avesso da chamada tradução literal” (CAMPOS, 1992, p. 35). Em vez de usar a literatura como entrecho, traduz-se uma forma-Nietzsche para o cinema, o período que passou em Turim, momento da última chama criadora, quando concentra-se no retorno incisivo à crítica radical dos valores, contra o fantasma de Wagner e os mal-entendidos em torno de Zaratustra.
Discuto o processo de transcriação através de dois elementos: a forma do texto nietzschiano a partir do aforismo; e a experiência abismal da música, como desmesura do corpo, convite à descida aos infernos, à transluciferação como encenação da aventura diabólica do artista, que em Nietzsche ganha força no estar fora de si e numa transfiguração da experiência contra o sofrimento. O filósofo andarilho e o prenúncio da tragédia permitem debater o uso de planos longos como sintaxe de uma transcriação do aforismo entendido como um “corpo de preceitos e formas sentenciosas”, expressão concisa de um princípio ou verdade geralmente aceita, transmitida sob a forma de máxima (PIRES FERREIRA, 1981). O aforismo encontra seu equivalente no recurso a planos longos condensados em torno de uma idéia, mas numa fuga permanente de um centro ordenador, explorando situações: o passeio solitário do protagonista nos museus e cafeterias; externas que mostram o encanto provocado por uma arquitetura não totalmente contaminada pelo moderno. A câmera-na-mão desfila imagens desse encanto do filósofo andarilho com a cidade e prepara o espectador para a tragédia que a inserção de “Liebestod”, parte da ópera Tristão e Isolda de Wagner, prenuncia. Textos, sons e música são montados como se fossem imagens, dissociados, não constituem comentário; para dar ritmo ao filme, no sentido de captar as questões de Nietzsche, de marcar a história, a diegese. Enquadramento fora de foco, a câmera percorre cortinas, poltronas e balcões vazios. Mostra um close de Nietzsche extasiado com a ópera Carmen de Bizet. Não há diálogos, apenas a solidão radical do personagem. O mesmo ocorre nas externas, Bressane mostra uma Turim praticamente vazia, o que realça o estado de interiorização do personagem. Nas locações dessa fantasmagoria, só Nietzsche tem a palavra. Somente sua voz reverbera em todo o longa-metragem. Entretando, no lugar do ensimesmamento, há o encontro com as forças da natureza através do trágico, um estar fora de si que se traduz na paisagem do Rio de Janeiro, cidade que guarda semelhanças à forma feminina, na associação com o nu e o erotismo sutil das imagens, como a moça com vaso. O ritmo, dado por imagens mostra o homem e a natureza indissociáveis, para evocar a transvaloração dos valores. Aforismo (literatura) e música (Wagner, Bizet e o próprio Nietzsche) convergem para a filosofia do protagonista. Dias de Nietzsche em Turim “solicita o contraponto das peças musicais do filósofo que definem a cadência do andar, do pensar e do escrever, até que o fluxo se interrompa com o colapso dessa figura do andarilho, sozinho em sua viagem [...]. Há enlevo, produção, mas a transvaloração dos valores não dá sinais de ter ultrapassado sua experiência de exilado. Vem a crise [...]. Nietzsche conduz seu ritual dionisíaco entre quatro paredes. Nesta cirscunstância, a dança e o teatro de máscaras [eu diria a tragédia através deles], definem a presença de um impulso afirmativo até o fim” (XAVIER, 2006, p. 23-24). |
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Bibliografia | Aphorism. Encyclopaedia Britannica. Ultimate Reference Suite. Chicago: Encyclopædia Britannica, 2010.
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