ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Múltiplas perspectivas entre cinema e literatura em O cheiro do ralo |
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Autor | Aurélio Orth de Aragão |
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Resumo Expandido | “Graciliano, José Lins do Rego, Jorge Amado, estes eram os nossos papas. A literatura havia dado uma expressão estética aos problemas do povo. Queríamos fazer a mesma coisa com o cinema.” A fala do “imortal” Nelson Pereira dos Santos revela não só o estreito corpo a corpo entre o Cinema Novo e o Modernismo, mas também a reverência com que os cineastas tratavam essa literatura canônica. Entretanto, se investigarmos os termos da aproximação contemporânea entre as duas artes, perceberemos uma significativa transformação nos parâmetros que a pautam.
Se o Cinema Novo tomava a literatura como referencial no que diz respeito à percepção do país e à construção de uma linguagem brasileira, cumpre questionar em que diapasão se estabelece o diálogo entre literatura e cinema brasileiros, hoje. Levando-se em conta o declínio do pensamento utópico e da crença do papel transformador da arte, percebemos de imediato que o interesse na aproximação entre cinema e literatura mudou. Não se trata mais de uma abordagem em um eixo hierarquizante em que os cineastas buscam em obras primas canônicas o manancial de temas e linguagem capaz de sustentar um desejo de transformação social. Ao falarem das razões que os motivaram a transpor o livro o Cheiro do Ralo para o cinema, tanto o diretor Heitor Dhalia quanto o roteirista Marçal Aquino se referem à pertinência e ao ritmo dos diálogos e ao interesse por um personagem que vive à sombra, na contramão. O que os encantou por foi a narrativa centrada em uma personagem repulsiva capaz de dizer aquilo “que todos querem e que ninguém tem coragem”. Por outro, foram atraídos pela entre o personagem e as coisas. Para eles o narrador do livro pode ser entendido como um sujeito cuja experiência se condensa em duas atividades: a dar preço às coisas e fetichizar suas relações afetivas. Interessante perceber que os próprios termos do fascínio que o livro exerceu tanto no roteirista quanto no cineasta, revelam uma aproximação com uma estética do desencanto pautada em elementos como repulsa e fetichização. Entretanto, não é apenas a arte cinematográfica que permeia as páginas do romance O cheiro do ralo (Mutarelli, 2002). Ele é atravessado por diversas outras linguagens e tecnologias. O hibridismo em O Cheiro do Ralo produz uma arte impura que se reporta a matrizes de diversas ordens. Cinema e literatura se misturam aos quadrinhos, à publicidade, à televisão, à música pop no corpus de remissões realizadas pelo livro. Em algumas obras modernistas, o referencial cinematográfico surge quase como um manifesto estético. Tratava-se de uma postura programática; era preciso incorporar novas linguagens e tecnologias para tratar das questões brasileiras. Não é mais essa a busca que norteia romances como O cheiro do ralo. A presença de outras tecnologias parece incorporada à prática literária de uma maneira mais orgânica. O jogo intertextual que faz entrar em campo em pé de igualdade a alta cultura, o entretenimento e a cultura de massa parece um dado inescapável. O cheiro do ralo tenta elaborar essa profusão de dados estéticos em múltiplos planos. O próprio excesso da sociedade de consumo é o tema da narrativa, e os riscos e angústias que ele promove serão fundamentais para definir o caráter do narrador e do modo de narrar do livro. Com isso, ao transporem para o cinema a obra de Mutarelli, Marçal Aquino e Heitor Dhalia se propuseram um desafio que se equilibra sobre uma linha paradoxal. Como realizar um objeto de consumo cuja tensão narrativa se calca justamente no descompasso íntimo e relacional produzido pelos excessos do capitalismo de consumo? |
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Bibliografia | AVELLAR, José Carlos.O chão da palavra. Rocco, Rio de Janeiro, 2007.
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