ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | A Teta Assustada e a Estrangeiridade do/no Corpo |
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Autor | Alessandra Soares Brandão |
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Resumo Expandido | Para Roberto Esposito, a gestação pode ser pensada como um sistema produtivo de imunização que é desencadeado pelo corpo materno em relação ao feto, corpo estranho que é ao seu, e que, no entanto, não é expelido mas curiosamente acolhido e nutrido pela maternidade. Isso se dá porque, durante a gravidez, a mãe paradoxalmente se auto-imuniza contra o que Esposito chama de ‘excesso de imunidade’ e que poderia destruir, rejeitar o seu feto em gestação. Esse processo de neutralização do sistema imunitário, portanto, se dá justamente pelo alto grau de exterioridade ou ‘estrangeiridade’ do feto em relação ao seu corpo, preservando a vida, a despeito da diferença, que, no corpo da grávida, é marcada pela presença do outro. Em A teta assustada (Peru, 2009), de Claudia Llosa, Fausta, a personagem feminina central diz ter assistido, ainda no ventre, ao estupro da mãe. Como estrangeira acolhida pelo dispositivo paradoxal da imunização materna, potencializadora da vida a despeito da diferença entre os corpos, Fausta também sobrevive ao estupro, força fálica que impõe um outro corpo exterior a relação mãe/feto e viol(ent)a as leis da gestação. De acordo com a crença que percorre em sua vila - o mal da teta assustada -, a menina herda o medo da violência masculina através do leite materno, secando, de imediato, a fonte lactante e o vínculo com o corpo materno. Estrangeira agora na própria exterioridade do mundo, precisa imunizar-se contra a força masculina, o corpo diferente contra o qual não tem imunidade natural, e, desde menina, passa a carregar dentro de sua vagina um batata. Como em um desdobramento do paradoxo tratado por Esposito, Fausta passa a gestar um corpo estranho, mas não está apta a se auto-imunizar como uma mãe, e o tubérculo, pensado como estratégia imunitária para lhe garantir a vida, nos termos de Esposito, torna-se uma ameaça, um indício de morte. A presença da batata, que se espalha rizomaticamente em seu útero pode ser lida, ainda, a partir da perspectiva teórica/filosófica de Jean-Luc Nancy em seu L’Intrus. Como o coração transplantado de que fala Nancy, podemos pensar que a batata que Fausta gesta desperta a discussão sobre o corpo estranho e a estrangeiridade do próprio ser. É ao final do filme, quando consegue expulsar o corpo estranho e devolvê-lo à terra, e, paralelamente enterrar o corpo da mãe, que seu corpo se ressignifica, ressoando o que diz Gilles Deleuze: “o corpo não é mais o obstáculo que separa o pensamento de si mesmo, aquilo que deve superar para conseguir pensar. É, ao contrário, aquilo em que ele mergulha ou deve mergulhar, para atingir o impensado, isto é, a vida" (27). |
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Bibliografia | Deleuze, Gilles. Cinema 2: A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005.
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