ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | De prisioneiro a testemunha: limites e poderes do retrato policial |
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Autor | Maria Teresa Ferreira Bastos |
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Resumo Expandido | Com o fim da ditadura militar, ocorrido na década de 80, um enorme rastro deixado pela polícia política brasileira, atuante por mais de sessenta anos, nos permite refletir, operar e reinventar os mecanismos de controle instituídos por uma sociedade então considerada disciplinar. Exercida através de órgãos públicos e unidades policiais criados para desempenhar o papel de controle da sociedade, produção e manipulação de informações, uma vigilância cotidiana era efetuada pela Polícia Política brasileira. Esse passado recente deixou uma herança arquivística, um acervo de fotografias de identificação policial de presos políticos brasileiros detidos entre 1930 e 1983.
Os retratos de identificação policial (de frente e de perfil) representam, especificamente, parte significativa da produção fotográfica da polícia. São retratos sem glamour, sem poses. Retratos de identidade. Mas que identidade? A identidade que ninguém gostaria de ter, nem de ver. Alguns mortos nas mãos da polícia. Outros sobreviventes com seqüelas. Como distinguir? E que diferença faz? A não ser pelo número cravado na lateral da imagem? Uma enorme quantidade de pessoas foi investigada, algumas torturadas e mortas, outras presas e esquecidas. As imagens dão vida a esses ilustres "infames", fotografados muitas vezes em situação limite de miséria humana, por torturadores legitimados pelo Estado em exercício de função. O retrato fotográfico obtido pela Polícia é, na verdade, uma não-identidade: a pior imagem que gostaríamos de ter de nós mesmos, que não orgulharíamos de mostrar a ninguém, um instante fugaz retido pelo pior dos acontecimentos. Se a fotografia aprisionou esse instante e tornou essas pessoas índices, números, integrantes de uma rede sistêmica de controle e vigilância, será que o cinema terá a capacidade de redenção, como fala Walter Benjamin? Pode o documentário vislumbrar o retrato, não como carteira de identidade, mas como a "curva de uma emoção", como prevê André Labarthe? Como retirar estas imagens do discurso do poder no qual elas foram arquivadas? Essas questões norteiam um projeto em desenvolvimento de realização de um documentário a partir desse acervo. A partir da palavra, do testemunho de presos políticos retratados que sobreveviram ao ato fotográfico, esperamos trazer à tona o que ainda respira nos arquivos. Uma corrida de olhos nesses retratos permite perceber ainda os paradoxos e as contradições que permearam a constituição desse acervo, bem como distinguir o público-alvo dos suspeitos nas décadas de 40 e 50, que eram trabalhadores e operários. Isso muda por completo depois do golpe militar de 64, quando os retratados são em sua maioria estudantes, jovens de classe média. O formato das imagens também é diferenciado de uma época para outra, assim como o local onde as fotos eram produzidas. Os retratos de identificação policial ocupavam uma grande parte do tempo dos policiais. Hoje, os retratados, de suspeitos, passam a testemunhas. No documentário, tentaremos recuperar a memória desse momento exato da fotografia. Desde 1992 os registros produzidos pelos órgãos que exerceram a função de polícia política transformaram-se em uma fonte preciosa para a formação de processos probatórios que permitem, hoje, às vítimas de repressão política ou a seus familiares a recuperação de direitos, além da reparação de danos e indenização pelo Estado. O Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro é guardião, desde 1992, desta documentação que integra o fundo Polícias políticas constituído por 750 metros lineares de documentos textuais, 100 mil fotografias, negativos em acetato e de vidro, microfilmes; documentos sonoros e filmes; além de objetos tridimensionais. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. “O Autor como gesto”. In: Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
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