ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Ruídos e canções: as estratégias sonoras na obra dos irmãos Dardenne |
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Autor | Nanna Pôssa Bones |
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Resumo Expandido | Como entender a estratégia musical de filmes cujo efeito sonoro está basicamente focado nos silêncios e ruídos? O objetivo deste artigo é fazer uma análise da forma como os diretores belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne colocam em cena as canções, ver os seus efeitos que provocam no interior da obra e, também, pensar sobre como este uso corresponde a uma estratégia autoral e a uma maneira de conduzir a fruição dos espectadores.
Com a opção de suprimir completamente a música de pós-produção, os Dardenne parecem aderir à opção radical defendida pelo cineasta Robert Bresson “nada de música de modo algum”. Para este cineasta, a única música que deve ser usada no cinema é aquela que o espectador vê sendo executada. Assim, a música inserida na montagem, como acompanhamento, apoio ou reforço, nada acrescentaria à imagem, além de acarretar a destruição da noção de “realidade”. Nos filmes dos Dardenne, todos os ruídos, tais como o barulho de carro, de moto ou de passos dos atores, são quase tão importantes como as vozes e falas. Nas suas obras, conforme o preconizado por Bresson, as músicas só aparecem em cenas onde elas estão sendo executadas e, além disso, estes momentos são pontuais durante os filmes. Analisando sua filmografia, é possível afirmar que, em cada filme, há apenas uma seqüência onde a música aparece, com exceção de “O Silêncio de Lorna”, em que há seis canções. Para entender a junção entre o funcionamento da música dentro no filme e o seu contexto anterior ao filme, são necessários alguns conceitos usados nos estudos culturais. A questão do gênero midiático ajuda a compreender a relação entre o estudo interno da obra (e suas propriedades materiais) e as formas de destinação de sua apreciação, onde os códigos culturais e históricos da audiência estão presentes. Além de existirem efeitos inerentes a cada obra, existem questões contextuais e econômicas que irão influenciar na maneira como serão recebidas. O gênero midiático cria expectativas prévias ao contato com a canção ou o filme, alterando a sua apreciação. Pierre Bourdieu coloca que cada produto tem seu lugar natural (existente ou a ser criado) e fora dele pode fracassar. Ou seja, cada obra necessita de determinadas estratégias para que tenha o efeito desejado. Isto vale tanto para trabalhos destinados ao lucro financeiro mais imediato, como para os que visam acumular capital simbólico dentro do campo. Segundo o autor, a oposição entre a arte e o dinheiro é o principio gerador da maior parte dos julgamentos em teatro, cinema, pintura, literatura, que querem estabelecer a fronteira entre o que é arte e o que não é, entre arte burguesa e arte intelectual, entre arte tradicional e arte de vanguarda. Os Dardenne enquadram-se na categoria de produção de obras voltadas, prioritariamente, para a apreciação simbólica e o reconhecimento no interior do campo cinematográfico. Isto pode ser notado tanto por características dos próprios filmes, como pelas estratégias de distribuição e, também, pela trajetória dos autores, rentabilidade de bilheteria e classificação por parte da crítica. A opção por filmar temas “fortes” e polêmicos, com câmera na mão, foco em um único personagem, ausência quase total de música fazem com que os filmes dos diretores não sejam voltados somente para a diversão. Estas obras têm uma pretensão intelectual de fazer o expectador refletir sobre o mundo contemporâneo. Além disso, são filmes de baixo orçamento, equipe reduzida e exibidos principalmente em salas “de arte”. Uma análise detalhada da trajetória dos diretores e de todas as canções usadas nos seus filmes permite concluir que a estratégia sonora, em geral, e o uso da música, em específico, reafirmam uma proposta por um cinema cru. A escolha por obras belgas antigas, ou pelo mais underground, também reafirma esta proposta de tentar qualificar o trabalho como autoral buscando valorizar-se no campo do cinema por meio da fuga da convenção, pela negação de muita música na trilha sonora. |
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Bibliografia | ALTMAN, R.Silent Film Sound. New York: Columbia University Press, 2004.
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