ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Espaço fílmico e gosto parnasiano na Paulicéia dos anos 20. |
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Autor | Rubens Luis Ribeiro Machado Júnior |
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Resumo Expandido | A cidade de São Paulo, que nos anos 20 cresce afirmando-se economicamente com o café e a indústria, parece forjar no cinema uma imagem nítida de metrópole que vive ordenada para o trabalho. Dos filmes de ficção que chegam até nós o melhor exemplo é Fragmentos da vida (1929), de José Medina, adaptação do conto novaiorquino “The cop and the anthem” (1908), de O’Henry. Nele, dois vagabundos perambulam por uma cidade do trabalho, um deles tentando ser preso para passar o inverno com comida e roupa lavada. O tratamento plástico e espacial dado à cena ou à paisagem física e humana exprime uma cidade ordenada que corresponde à ideologia dominante, e às verdadeiras aspirações partilhadas por diversas classes e setores da sociedade. Isto implica o surgimento do mito da cidade laboriosa e do perfil moderno de sua personalidade urbana que, no cinema só começa a ser criticado de fato com Moral em concordata (1959) e São Paulo Sociedade Anônima. (1965). Medina trabalhou em Fragmentos da vida com o seu parceiro desde Exemplo regenerador (1919), o produtor e cameramen Gilberto Rossi, fotógrafo cuidadoso. Medina era também fotógrafo, publica em 1954 o álbum São Paulo, o que foi e o que é. Em Fragmentos eles constróem o ambiente urbano disciplinado por uma sistematização dramática de linhas e vibrações verticais, que atuam como certo reverbério da paisagem, espécie de admonição carrancuda da cidade trabalhadora em face da vagabundagem transgressora daquela cidade ordeira. Comparando-se ao conto e à adaptação fílmica de Henry Koster, “O guarda e o hino” (The cop and the anthem), episódio do longa O. Henry's full house, que a Fox lançou no Brasil com o nome Páginas da vida (1952), destaca-se um determinado esquematismo da trama narrativa ao exacerbar a seqüência de tentativas de ser preso do vagabundo enquanto uma série moldada analogamente, de modo equivalente e quase intercambiável, como numa produção em série. O desenho rígido da trama se arremata com uma inversão de perspectiva abrupta em lugar do gracioso twist ending, estilema de O. Henry que causava sensação, e que José Paulo Paes analisa como reviravolta artificiosa. Como no desenho de um arremate em voluta art nouveau, ressonância de um gosto da belle époque em simulação novaiorquina, o desenlace duro da versão paulista parece refletir um traço social de maior violência, fim de estória paradoxal de um destino individual nada feliz.
O art nouveau retilíneo, característico de São Paulo desde sua origem na Vila Penteado até a persistente proliferação massiva no mobiliário, popularizado pela produção do Liceu de Artes e Ofícios durante muitos anos, parece prefigurar às vezes o que se renovaria com virulência na paisagem paulista como moda art déco. Empreguei noutras análises do São Paulo, a sinfonia da metrópole (1929) uma série de conceitos oriundos de outros campos artísticos, como art nouveau, academismo, art déco, parnasiano etc. Mas o fiz de modo especulativo, telegráfico e alusivo, mais com a intuição de problemáticas percebidas nos estudos, que se empenhavam em fornecer traços gerais de um quadro panorâmico da cidade no cinema do período. Aproximar de Fragmentos da vida a sinfonia paulistana nos permite equacionar uma visão comum. Sem qualquer eco vanguardístico libertário ou trágico, Kemeny e Lustig se apropriam da técnica ruttmanniana para movimentar a urbe de modo pouco controverso, sugerindo pujança e dinamismo de permeio a seqüências mais convencionais, próximas do cinejornal que fala dos orgulhos da cidade. Mas os húngaros fazem muito bem isto tudo, passando-nos — através de registros fotográficos de enquadre vigoroso e algo solene, cheios de trucagens e fusões — um estado de espírito vibrante, contagiado pelo frêmito do progresso. O resultado alcançado reverbera uma espacialidade esmerada que prefigura o ritmo da geometria estilizada e pseudo moderna das edificações art déco - que nas duas décadas seguintes alterariam a plástica da paisagem paulistana. |
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Bibliografia | AA.VV. Art déco na América Latina. Rio: Prefeitura C.R.J./SMU; Solar G.Montigny; PUC/RJ, 1997.
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