ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | O CINEMA E A HISTÓRIA DO "DESCOBRIMENTO" DO BRASIL |
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Autor | FATIMA MARIA NEVES |
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Resumo Expandido | O filme “O Descobrimento do Brasil”, de 1937, foi uma encomenda do Instituto do Cacau da Bahia ao cineasta mineiro Humberto Mauro (1897-1983), com o apoio do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), criado em 1936, por meio da Lei nº 378, pelo Ministro Gustavo Capanema (1900-1985), com o intuito de aproximar o “Cinema” da “Educação”, em sua dimensão formal e escolarizada. Nos créditos inicias, do filme, consta que a “colaboração intelectual e verificação histórica” estiveram sob a responsabilidade de Affonso de E. Taunay (1876-1958), Roquette Pinto (1884-1954) e Bernadino José de Souza (1884-1949). Todos os três eram representantes de setores diferentes da intelectualidade nacional, não obstante suas diferenças eram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Outra instituição oficial, inaugurada no século XIX, mais precisamente em 1838, durante a Regência de Araújo Lima (1837-1840), com objetivos de criar, de construir uma identidade nacional pensada e divulgada pelas elites ilustradas brasileira. Foram esses intelectuais que, com seus construtos teóricos e culturais, auxiliaram Humberto Mauro a encenar a Carta de Pero Vaz de Caminha, no filme “O Descobrimento do Brasil”.
A Carta de Caminha, redigida em 1500, endereçada ao rei português D. Manuel, continha as primeiras informações e impressões que o alto comando da frota de Pedro Álvares Cabral teve do “achamento” da nova terra. Caminha, escrivão da feitoria de Calicute (Índia) e membro da frota, relatou, em 14 páginas, os acontecimentos dos oito dias (22 a 30 de abril) que ficaram ancorados na Terra de Santa Cruz. Os destaques da narrativa vão para as características físicas dos “homens da terra”. De forma recorrente, relatava que eram “pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas”. O comportamento esquivo e a reiterada resistência em não permitir que os portugueses entrassem em suas aldeias (afastadas aproximadamente uma légua e meia – 2,5 km) também são priorizados na descrição. Enfim, o documento de Caminha se caracteriza pela diversidade de informações minuciosamente descritas permeada de interpretações construídas por aquele momento histórico. Revendo o teor da Carta e a forma como foi encenada em “O Descobrimento do Brasil”, verifica-se muito mais distanciamentos que aproximações entre o filme e o documento que lhe deu origem. A construção das imagens que revelam um determinado modelo do homem da terra, de seu comportamento, de sua relação com os recém-chegados guardam profundos distanciamentos com a narrativa descritiva de Caminha. A prática das trocas, as diferentes formas de resistência dos locais, a nudez que revelava homens não circuncidados observadas por Caminha, mas desconsideradas no longa nos permite analisar a historicidade do viés teórico,cultural e histórico que amparou o filme em análise. Considerando que o trabalho de Humberto Mauro constitui uma memória do cinema brasileiro e, também, uma memória histórica e educacional sobre determinados temas como o do “descobrimento”. Buscamos entender o modelo de Nação que se engendrava, no cinema, durante o Estado Novo, no Governo de Getúlio Vargas, visando historicizar os distanciamentos. Destacamos que os objetos de estudo, o “filme e a carta”, são documentos/monumentos construídos em períodos diferenciados, e com intenções distintas entre si, e que a “História é um esforço para melhor conhecer uma coisa em movimento” (BLOCH, 1965). Portanto, há que se ter em mente a historicidade de ambos, a fim de evitar operações de deslocamentos que acabam por gerar compreensões anacrônicas e descontextualizadas. Assim sendo, tanto o historiador quanto o cineasta, quando retomam o passado, possuem intencionalidades que busca iluminar objetos que permanecem nas sombras, recuperando assim, sentimentos perdidos e esquecidos. A leitura que ambos – cineasta e historiador – farão do passado, dependerá de como estes profissionais vêem e vivem o próprio presente. |
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Bibliografia | BLOCH, Marc. Introdução a História. Lisboa: Publicações Europa-América, 1965.
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