ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | A poética da incomunicabilidade |
|
Autor | Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro |
|
Resumo Expandido | Aprofundando reflexões sobre o que chamo de cosmopolíticas e cosmopoéticas da globalização no cinema mundial contemporâneo, pretendo rastrear o tema da incomunicabilidade em narrativas fílmicas que orbitam a questão da transculturalidade como forma de representação do mundo.
A partir de diferentes perspectivas e em diferentes momentos, interrogo um mosaico em movimento composto por filmes como "O passageiro - Profissão: Repórter" (Michelangelo Antonioni, 1975) ou "Der Leone Have Sept Cabeças" (Glauber Rocha, 1970), num momento de emergência da descolonização como horizonte ao mesmo tempo político e poético, na década de 1970, por um lado, e "Babel" (Alejandro González Iñárritu, 2006), "O Mundo" (Jia Zhangke, 2004) ou "Heremakono" (Abderrahmane Sissako, 2002), num momento de reinscrição das políticas e poéticas da descolonização no marco da reconfiguração das soberanias estatais (em torno da questão do terrorismo, por exemplo), das formas de governamentalidade internacional (em torno de questões de direitos humanos e refugiados) e dos eixos de contradição (em torno do deslocamento do eixo Leste-Oeste para o eixo Norte-Sul). O cinema abriga diferentes formas de projeção do comum da humanidade. A ênfase na célula melodramática - família, motivações e dilemas morais, organização teleológica da narrativa por meio da decupagem clássica (XAVIER, 2005; BORDWELL, 2005) e da montagem na composição da imagem-movimento (DELEUZE, 1985) - pode ser considerada como o núcleo do paradigma clássico hollywoodiano. A célula melodramática encerra uma forma de humanismo baseada em noções de superioridade moral. A montagem como princípio construtivo que ao mesmo tempo produz e anuncia um novo mundo, depois da Revolução, constitui o núcleo das propostas soviéticas no sentido de um realismo crítico (XAVIER, 2005). O novo mundo abriga, no marco da Revolução, um novo homem e novo humanismo: anti-burguês em suas intenções manifestas, construtivista em seu horizonte de projeção do comum. A coleção de imagens do mundo como forma de testemunho - revelação da realidade em sua duração temporal a partir da ontologia da imagem fotográfica (BAZIN, 1991), abertura da narrativa às ambivalências da imagem-tempo (DELEUZE, 1990) - marca a experiência do chamado cinema moderno, em contraposição ao cinema clássico. No testemunho que se manifesta esteticamente num elogio do plano-sequência e/ou em críticas das formas clássicas de montagem como manipulação, defendendo usos da montagem como forma de desconstrução crítica do sistema de representação, encontram-se os traços de um humanismo que se mostra ora assumidamente crítico em suas inflexões sociológicas, ora decididamente esvaziado em sua abertura fenomenológica. Sob os ecos e sobre os rastros do cinema clássico e do cinema moderno, marcados por sua situação (que não necessariamente se reflete numa postura) eurocêntrica (SHOHAT e STAM, 2006), bem como do cinema de ruptura (das propostas soviéticas em torno da montagem às formas de realismo das vanguardas), os diversos cinemas nacionais não-ocidentais demandam a compreensão desses diversos ecos e rastros a partir da elaboração de outros modos de leitura, cujo fundamento - sempre contingente - reside nas passagens e paisagens culturais movimentadas desde cada uma das diferentes perspectivas e (con)textos envolvidos. A pergunta que ocupa (e ultrapassa) meus passos nesse texto é: como ler o cinema mundial contemporâneo em suas relações com as políticas e poéticas da descolonização, de sua emergência na década de 1970 a sua reconfiguração na década de 2000? A partir do impulso dessa interrogação, revela-se o caminho sinuoso do tema da incomunicabilidade. Diante da comunicação que fundamenta qualquer projeto cosmopolita de constituição de um comum da humanidade, a incomunicabilidade parece se revelar - eu insinuarei a necessidade de começar a escrever re-velar, para marcar um duplo movimento de ocultação e exposição - como uma paradoxal tecelagem de figuras do comum. |
|
Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. The coming community. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993.
|