ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | Os inquilinos de Sérgio Bianchi, o conformismo desesperançado de um anarquista |
|
Autor | Joao Eduardo Hidalgo |
|
Resumo Expandido | Quem vê Os inquilinos, os incomodados que se mudem (2009), de Sérgio Bianchi, tem uma grande surpresa. O cinema tremendamente autoral de Bianchi sofreu acentuadas mudanças. O realizador que tinha como traço marcante o escárnio, a paródia e a crítica corrosiva da sociedade, apresenta um filme protagonizado por um personagem absolutamente conformista, derrotado, que tem uma cena síntese que lembra o final de Ladrões de bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, com os protagonistas perdendo-se na multidão miserável, caminhando para um destino previsível.
Bianchi, filho e neto de uma importante família de fotógrafos, chegou a São Paulo pela mão desta profissão, teve inclusive ateliê. Em seguida investiu em sua paixão e foi estudar cinema na ECA. Deste período existem dois curtas, pouco vistos, o primeiro é Omnibus (1972) que tem como protagonista Marcelo Picchi e Geny Mazza e a participação, não creditada, de Ariclê Perez. O segundo A segunda besta (1977), baseado num conto de Julio Cortazar, “Carta a uma senhorita em Paris”. Os dois são muito conceituais, nenhum deles tem diálogos (talvez por alguma dificuldade técnica), as histórias são frágeis e não há traços autorais, são rascunhos. Sobre estes diretores que se formaram nas escolas de cinema Carlos Roberto Souza escreve: “Depois de anos de batalha no curta-metragem, de muito chá de cadeira nos corredores da Embrafilme e muita deambulação pelos escritórios de produtores da Boca do Lixo, alguns jovens, a maioria formada pelo Departamento de Cinema da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, finalmente tiveram acesso aos mecanismos de subvenção que propiciaram a realização do primeiro – às vezes único- longa metragem. O acontecimento paulista, paulistano na verdade, chegou quase a constituir um movimento. (...) A eles podemos somar os corrosivos Maldita coincidência e Romance, de Sérgio Bianchi, embora o auge da ironia cínica deste realizador tenha se cristalizado em outra fita: o curta Mato eles? Sobre os remanescentes de uma tribo de índios do Paraná.”(SOUZA: 1998, p.148-149) Como autor Bianchi firmou-se com Maldita coincidência (1980), rodado inteiramente num casarão abandonado na avenida Brigadeiro Luis Antonio, em São Paulo, sem financiamento, com a colaboração do elenco que não recebia salário (atores e não atores do mundo underground). Misturando ficção e documentário ele constrói uma narrativa inspirada na contracultura, no cotidiano de seres marginais da metrópole, que se reuniam neste espaço degradado. Buscando o prazer, a sobrevivência, em um ambiente absolutamente hostil. Mesclando gêneros, intencionalmente, Bianchi fez seu terceiro curta-metragem Mato eles? (1982), onde depoimentos reais são justapostos a outros ficcionais. Em abril de 2009, num bate papo sobre sua obra, realizado no SESC de Bauru, Bianchi inferiu que -utilizar um pseudodocumentário às vezes “facilita” na construção de sentido-, que seria muito mais demorada e dispendiosa se fosse observada a norma clássica documentário/ficção. Este recurso é reutilizado no final de Cronicamente inviável (2000), quando a falsa mendiga dá lições a seu filho. A atriz era uma mera figurante, que substituiu uma ação que não pode ser filmada por uma falha de produção. Nota-se inclusive que o sentido teve que ser construído através da seleção de pequenas falas, montadas com corte seco, pois a dramaticidade escapava pela falta de qualificação da atriz. Agora, na maturidade, Bianchi realiza - o que ele disse ser seu último filme-, Os inquilinos. Nele é perceptível uma maior sutileza na crítica social, talvez desenvolvida durante a produção do filme, na Vila Brasilândia, onde ele teve que negociar com vizinhos, associações de moradores, quando decidiu construir duas casas/cenários para as filmagens. Este filme é um dos mais contundentes de sua carreira, pois é absolutamente franco, um docudrama da vida nos subúrbios de São Paulo, sem personagens estereotipados ou excessivos. |
|
Bibliografia | BERNADET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
|