ISBN: 978-85-63552-06-8
Título | A caverna como câmara escura: Manoel de Oliveira e Platão |
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Autor | Ana Isabel Soares |
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Resumo Expandido | Na construção de uma teatralidade passível de ser exibida através dos filmes, Manoel de Oliveira recorre em várias das suas obras a elementos ancorados num real externo ao cinema como modo de esclarecer não essa exterioridade – porém, tais aspectos resultam de uma sua intervenção criativa, inventiva, sobre a realidade, mesmo quando ela é, já de si, teatral (como em Mon Cas / O Meu Caso).
Este processo pode ser entendido como uma provocação à noção platónica, segundo a qual que para conhecer o real é necessário escapar aos desvios do ilusório e das aparências. De acordo com a ideia artística de Manoel de Oliveira, alguns dos seus filmes revelam que o esclarecimento da realidade está na construção de camadas sobre camadas de representação e de ilusões. A dicotomia operativa nestes filmes, mais do que essência e aparência, estabelece-se entre acto e palavra – sem que uma predomine sobre a outra. A palavra inventa, constitui, dá sentido e existência ao que é acção. Mas, por seu lado, a acção infunde a palavra, confere-lhe densidade e sentido. Pretendo analisar três obras em particular, por forma a compreender este modo de acesso ao real através da ilusão: Acto de Primavera (1963), Mon Cas / O Meu Caso (1986) e Singularidades de Uma Rapariga Loira (2009). No primeiro filme, a coexistência de um registo intencionalmente documental com uma narrativa marcadamente ficcional ao mesmo tempo sublinha e infirma a importância do real sobre a aparência que seria a ficção. As personagens dos turistas que observam, de fora, a encenação popular da paixão de Cristo numa aldeia do Norte de Portugal, transformam o Auto na mais essencial das representações, cuja natureza se define pela incorporação dos destinatários; do mesmo passo, as imagens dedicadas ao Auto não perdem de vista o traço de invenção que o gerou. Em Mon Cas / O Meu Caso, que parte de dois textos escritos para teatro, a que acrescenta excertos bíblicos do “Livro de Job”, é o trabalho de re-escrita deste conjunto de bases textuais que acentua a sua qualidade ficcional e de proximidade com questões essenciais da Humanidade. Por fim, a versão que Oliveira recentemente dirigiu de um dos contos de início de carreira de Eça de Queiroz revela, de modo criativamente estratégico, a origem poética do texto de base e esta, por sua vez, determina a essencial alteração na passagem de um medium para o outro, de um tempo histórico para outro, de uma leitura verbal para uma leitura transversal a códigos e artes diversas. Em todas as obras referidas, ressalta a consciência artística do estar a fazer qualquer coisa que, sendo arte – e, por isso, invenção sobre ilusões –, ganha existência equiparável à das formas ideais de Platão. |
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Bibliografia | AA.VV., 2008. Manoel de Oliveira Cem Anos. Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Lisboa.
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