ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Abdellatif Kechiche – consolidação e visibilidade do cinema beur |
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Autor | Catarina Andrade |
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Resumo Expandido | Desde a década de 1980, a produção cinematográfica francesa tem sido marcada por cada vez mais numerosas produções que se convencionou chamar de ‘cinéma beur’ ou ‘cinéma de banlieue’. Filmes como Laisse béton (Roger Le Péron, 1983), Thé à la menthe (Abdelkrim Bahloul, 1984), Le thé au haren d’archimède (Medhi Charef, 1985), Baton Rouge (Rachid Bouchareb, 1985), voltaram seus olhares para a periferia que habita a França, retratando histórias particulares, e ao mesmo tempo universais, das populações marginalizadas, compostas sobretudo por imigrantes de origem africana.
Esses filmes promoveram a consolidação do movimento beur e formaram uma espécie de terreno fértil onde muitos outros puderam florescer. Um cineasta que tem se destacado nesse âmbito, realizando filmes que enfocam os marginalizados, e que parece ter encontrado seu lugar no cinema internacional, é Abdellatif Kechiche, cujo primeiro longa La faute à Voltaire, 2000, pode-se dizer que alcançou o grande público e ganhou, além de outros, dois prêmios no Festival de Veneza. Suas outras produções, L’esquive (A Esquiva, 2003) e La graine et le mulet (O Segredo do Grão, 2007) foram ainda mais notáveis e concederam a Kechiche um lugar privilegiado dentro do cinema francês contemporâneo. Sua produção mais recente, Venus noire (2010), que resgata a trágica história de uma mulher africana que teve seu corpo exibido publicamente e posteriormente dissecado para fins científicos, também obteve elogios da crítica e indicações em festivais. O conjunto dos filmes de Kechiche parece significativo para a consolidação do cinema beur nos dias atuais. Compondo um novo cenário do cinema francês contemporâneo, ao lado de filmes como O Ódio (La Haine, Mathieu Kassovitz, 1995), A cidade está tranquila (La Ville est tranquille, Robert Guédiguian, 2000), A pequena Jerusalém (La petite Jerusalem, Karin Albou, 2005), Dias de Glória (Indigènes, Rachid Bouchareb, 2006), Entre os muros da escola (Entre les murs, Laurent Cantet, 2008), O dia da saia (La journée de la jupe, Jean-Paul Lilienfeld, 2008), entre outros –, parecem elucidativos para se compreender as mudanças sociais em paralelo às mudanças nas temáticas e nas estéticas cinematográficas. O preconceito e o racismo são abordados por essas produções em vários sentidos, não apenas contra o “outro”, mas também provindo dele próprio. A complexidade das novas formas de convívio fixadas na pós-modernidade pelo multiculturalismo e a globalização, por exemplo, que geram uma espécie de estranhamento entre os sujeitos, que não conseguem se compreender, mesmo falando a mesma língua, e estão constantemente absorvidos pelo medo uns dos outros. Além das características temáticas é necessário relevar as “vozes” que esses filmes trazem ao público. Vale salientar que muitos dentre os cineastas envolvidos com esses temas têm uma relação próxima com as realidades periféricas, com o “outro”, o ex-colonizado, e, em geral, eles pertencem a mais de uma etnia, como o próprio Kechiche, cuja nacionalidade é francesa, mas nasceu na Tunísia e só chegou à Franca aos seis anos. Por isso, a história pessoal do cineasta se torna, muitas vezes, parte integrante dos filmes. Igualmente, esses filmes exprimem as condições diaspóricas criticando e procurando compreender tanto a sociedade do opressor como a do oprimido. Eles tratam de representar as circunstâncias de descolamento-ajustamento abrangendo, sobretudo, problemáticas como a da territorialidade através da vida no exílio. Dessa forma, este artigo pretende analisar, nas produções de Kechiche, essas representações da diversidade cultural, linguística e étnica, da dispersão global e da imigração, dos indivíduos que necessitam construir suas identidades paralelamente a uma anterior já possuída tentando estabelecer um diálogo entre as duas. Além disso, busco entender em que medida esses filmes são fundamentais para, não somente dar maior visibilidade, mas também consolidar um cinema beur mais consciente e amadurecido. |
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Bibliografia | BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed UFMG, 1998.
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