ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O uso de dispositivos em filmes sobre arte |
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Autor | Nina Galanternick |
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Resumo Expandido | O presente trabalho investiga a utilização de dispositivos como estratégia representativa de obras de arte em documentários, à luz do pensamento de Michel Foucault e Gilles Deleuze, e da compreensão de Cezar Migliorin sobre o dispositivo como estratégia narrativa em documentários. Para isso, filmes que utilizam artifícios específicos do audiovisual para representar obras de arte serão analisados como “O mistério de Picasso”, de Henri-Georges Clouzot (1956) e “Bruce Nauman: Make me think”, de Heinz-Peter Schwerfel, (1997). O documentário “O mistério de Picasso”, por exemplo, lança mão de um dispositivo para representar de maneira singular as pinturas de Picasso: o mestre pinta com uma tinta especial sobre uma tela translúcida filmada pelo lado oposto da superfície pintada. A iluminação é feita de tal maneira a revelar apenas a tela e os traços feitos sobre ela, mas nada do que há por detrás, por isso não vemos a mão do pintor, nem o pincel. É permitido ao espectador perceber apenas o traço ou a mancha colorida tomando forma na tela até que o pintor complete o quadro. Ao testemunharmos a feitura do quadro, durante grande parte do processo não conseguimos imaginar o que o conjunto daquelas pinceladas terminará por representar, propiciando aos espectadores uma surpresa ao final. O vidro-tela é um aparato técnico desenvolvido para ser o dispositivo deste filme, operando ativamente na narrativa do documentário. A contingência deste dispositivo está na relação estabelecida entre o personagem e o dispositivo, ou seja, entre Picasso e o vidro-tela. Essa relação é algo que só existe neste filme. Perante o desafio proposto, Picasso poderia simplesmente fazer as 20 telas combinadas previamente com o diretor, uma após a outra, mas sua compreensão do dispositivo o fez ir além: sua performance oferece ao público o acompanhamento do percurso até chegar à tela acabada, que era enriquecido pela metamorfose de quadros praticamente acabados em outros quadros e assim sucessivamente. O dispositivo então exerce a função de mediador entre o espectador e a obra de arte. Nesta relação, proporcionada no momento da exibição do filme, as linhas de enunciação, visibilidade, subjetivação e poder ativadas pelo dispositivo, descritas por Deleuze, em “O que é um dispositivo?”, interferem na forma como o espectador vai se relacionar com a obra. A maneira como a obra é filmada, o que é ressaltado e o que é escondido, são modos específicos de apresentar-la, de forma a moldar o conhecimento do espectador em relação à obra de arte. O que o filme apresenta não é a obra, mas uma representação sua, inevitavelmente atravessada pela subjetividade daquele que empreende a representação. Estamos então diante da dimensão produtiva do dispositivo. A utilização de dispositivos na representação de obras de arte em documentários é uma interseção entre os dois campos artísticos distintos: cinema e artes plásticas, capaz de proporcionar uma experiência singular, presente apenas no ato da fruição do filme, independentemente do que possa ser vivenciado no contato direto, presencial, com a obra de arte. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? In: “Outra travessia. Revista literária.” Nº5. Ilha de Santa Catarina, 2º semestre de 2005. AUMONT, Jacques. “A imagem”. Campinas: Papirus, 1993. BAZIN, André. Pintura e cinema. In: “Cinema: Ensaios”. São Paulo: Brasiliense, 1991a. __________. Um filme bergsoniano, Le Mistére Picasso. In: “Cinema: Ensaios”. São Paulo: Brasiliense, 1991b. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: “Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura”. São Paulo: Brasiliense, 1994. DELEUZE, Gilles. O que é um dispositivo? In: “O mistério de Ariana”. Ed. Vega – Passagens . Lisboa, 1996. FOUCAULT, Michel. “Dits et écrits”. Vol. III. Paris: Gallimard, 1994. MIGLIORIN, Cezar. O Dispositivo como estratégia narrativa. In: “Digitagrama. Revista Acadêmica de cinema”. Nº 3. 2005. http://www.estacio.br/graduacao/cinema/ digitagrama/numero3/cmigliorin.asp. |