ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Paisagens sonoras e afetivas em trânsito no cinema global contemporâneo |
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Autor | Erly Milton Vieira Junior |
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Resumo Expandido | Dando continuidade ao conceito de “realismo sensório” que apresentei no Encontro da Socine de 2010, pretendo nesta comunicação debruçar-me sobre as inserções do corpo nas paisagens culturais cotidianas, a partir da dimensão sonora desse novo realismo, de modo a pensar as formas como ela contribui para a emergência de um novo conjunto de narrativas audiovisuais, cujas afinidades reforçam o caráter de trocas transculturais no cinema de fluxos deste início de século.
Parto do pressuposto que vários desses filmes, marcados por uma construção narrativa calcada em ambiências e de uma experiência afetiva conduzida pela sobrevalorização de uma sensorialidade multilinear e dispersiva, possuem intrincados desenhos de som, essenciais para o processo de imersão sensorial que a “estética de fluxo” propõe. O som a preencher os espaços de forma difusa e modificar nossa percepção de tempo: assim, o banquete sensorial que o espaço urbano nos oferece nos filmes de Hou Hsiao Hsien, ou a densidade mágica da floresta nos filmes de Apichatpong Weerasethakul são diretamente proporcionados pelo trabalho de elaboração do mapa sonoro em cada filme – processo, inclusive, intensificado pelos usos criativos da trilha sonora, como a valorização do looping nas composições eletrônicas presentes em Millennium mambo ou a sensação de uma trilha pulsante, acompanhando as palpitações mínimas dos personagens, em alguns momentos de O céu de Suely. Por outro lado, não podemos deixar de pensar no trânsito efetuado entre paisagens sonoras (SCHAFER, 2001; CHION, 1993; 1999) e afetivas (LOPES, 2007) no que tange à utilização de canções pop diversas nas trilhas sonoras de diversos dos filmes dessa “estética do fluxo”. Tal procedimento já há muito tempo é constante no cinema mundial – pensemos nos usos transnacionais das trilhas sonoras em filmes de Hou, Weerasethakul e Wong Kar-Wai, bem como n’O céu de Suely, do brasileiro Karim Aïnouz. Aqui, a apropriação do cancioneiro pop, e das paisagens afetivas implícitas nesses hits (muitas vezes bastante consolidadas no imaginário do homem comum das grandes metrópoles mundiais) permite estabelecer uma nova gama de significações, a partir do choque entre os conteúdos simbólicos que tais músicas trazem implícitos consigo (e em sua importância na cultura pop global das últimas décadas), a experiência pessoal do espectador acerca de audições prévias dessas mesmas canções e as situações propostas pela inserção das mesmas nas narrativas desses filmes, permitindo aflorar também as paisagens afetivas de seus personagens. Poderia se argumentar que a utilização de fonogramas previamente conhecidos pelo espectador na trilha sonora de um filme já seja, há décadas, uma constante na produção cinematográfica, seja ela industrial ou autoral. Contudo, no conjunto de filmes que se rotula como “cinema de fluxos” (e nos quais prefiro aplicar o conceito do “realismo sensório”), acredito que a utilização dessas trilhas sonoras passa a ser realizada dentro de um outro regime perceptivo, no decorrer do ato de assistir ao filme, no qual o espectador se encontra tomado por uma outra sensorialidade, não necessariamente atrelada ao fio narrativo da trama (daí o uso de adjetivos como lacunar e dispersiva para qualificá-la). Neste caso, cabe a este artigo investigar se a possibilidade da apreensão dos conteúdos simbólicos dessas canções se faz de forma diferenciada, e de que forma isso pode contribuir para um novo tensionamento entre as paisagens sonoras e afetivas que transitam por entre essas canções, personagens e narrativas. Desse modo, acredito que a intercambialidade entre paisagens sonoras e ideopaisagens,no sentido proposto por Appadurai (2004) possa operar como uma importante vertente no diálogo com as referências transculturais e as trocas cosmopolitas no contexto dessa vertente transnacional do cinema contemporâneo, uma vez que tais trilhas sonoras pop podem conferir sentido aos espaços, preenchendo-os de afetos e memórias. |
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Bibliografia | APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da globalização. Lisboa: Teorema, 2004.
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