ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A elite acossada? O documentário e o “outro” de classe |
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Autor | Laécio Ricardo de Aquino Rodrigues |
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Resumo Expandido | Não raro, muitos pesquisadores do documentário brasileiro apontam uma inclinação recorrente no ofício de nossos cineastas: a predileção em direcionar suas lentes para os tipos populares e os grupos menos favorecidos, na tentativa de lhes conferir alguma visibilidade ou redenção. No entanto, o que poderia ser apontado como uma vocação nobre, com freqüência esbarra em críticas: má-consciência; conversão do documentário em arte com fins utilitários; espoliação e redução da voz do “outro” filmado...
Tal inclinação política pode ser identificada no contexto de transformação do documentário brasileiro (anos de 1960), como influência do espectro ideológico do Cinema Novo. Ao desejar falar pelo “outro” marginalizado, ainda que munidos de boas intenções, nossos cineastas propuseram representações autoritárias, didáticas e generalizantes dos grupos abordados em seus filmes (Bernardet, 2003). Como sugere Ramos, a potência do direto não conteve o ímpeto de nossos realizadores em seu desejo de expressar um saber sobre o outro filmado e de “catequizar” a audiência, convertendo a tomada numa espécie de “púlpito” (2008, p. 331). Nas décadas seguintes, com a consolidação do direto, este quadro se modifica sem grandes reviravoltas. Segundo Teixeira (2001), passamos do problemático “falar pelo outro” (que implicava na afasia dos tipos populares) para o ambíguo “dar a voz ao outro” (gesto que sugere reversibilidade consentida, além de não promover uma democratização da instância enunciativa no documentário). Em síntese, o cineasta mantém sua condição de “dono do discurso”; em tais condições, a partilha da palavra, é mediada pelo ambíguo viés da dádiva, que implica sempre dívida e má-consciência (2001, p.165). Mais recentemente, Salles (2005) declarou ter sido a aspiração política desmesurada, não precedida de reflexão, que legou ao documentário nacional sua maldição temática: a pretensão social (filmar os grupos marginalizados, carentes de representatividade, de voz e de espaço). Nosso cinema, segundo ele, se concentraria na tragédia social e no drama, cujas matrizes estão estampadas nas manchetes de jornais. Desse breviário de indolências, ressalta, estariam ausentes a classe média e a elite, que permanecem intocáveis (diante dos abastados ou daqueles que possuem voz política, nossos cineastas se acovardariam). Considerando-se o suposto silêncio de nossos cineastas perante os grupos dominantes (quase sempre alijados da prática documental), esta apresentação adota como foco de análise dois títulos recentes que se debruçam sobre este contingente social pouco explorado: “Um Lugar ao Sol” (2009), longa-metragem de Gabriel Mascaro (PE), e o curta cearense “Vista-Mar” (2009), produção de um coletivo de realizadores. Entre si, os dois títulos partilham um olhar crítico para o processo de verticalização em voga nas capitais brasileiras, com ênfase nos condomínios de luxo e seus moradores. Embora ausentes do grande circuito, tais obras contribuem para reposicionar a censura que tem sido feita a nossos realizadores e nos convidam a um exame pormenorizado de suas estratégias fílmicas: em outros termos, que valores presidiram o embate de mise-en-scènes (entre cineastas e sujeitos interpelados)? Quais os procedimentos expressivos empregados nestes títulos? Que experiência proporcionam ao espectador? E o que tais imagens nos ensinam sobre a prática documental? |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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