ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Legibilidade X verossimilhança: o som no falso documentário de horror |
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Autor | Rodrigo Carreiro |
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Resumo Expandido | Narrativas ficcionais codificadas como documentários constituem um subgênero cinematográfico (o mockumentary) e existem desde os anos 1960. Nos últimos anos, cineastas têm explorado cada vez mais um formato específico deste subgênero, ligado ao cinema de horror. Chamados de “found footage”, esses filmes são construídos, parcial ou totalmente, a partir de falsos registros amadores ou semi-profissionais de fatos extraordinários. A estética documental desses filmes valoriza a imperfeição formal, de modo a gerar no espectador a ilusão de que se trata de um registro não encenado.
Esse filão do cinema de horror existe pelo menos desde 1980 (ano em que foi lançado o pioneiro filme italiano “Canibal Holocausto”), produzido vários longas-metragens obscuros e pelo menos um grande sucesso de público (“A Bruxa de Blair”, de 1999). A estética adotada pelos diretores desses filmes passou a chamar mais atenção para si recentemente, quando começou a ser adotada de modo recorrente em realizações como “Atividade Paranormal” (2007), “[REC]” (2007), “Cloverfield” (2010) e “O Último Exorcismo” (2010). Ao menos quatro produções com essa estética estão previstas para estrear até 2012. A adesão de cineastas a essa estética, por uma série de razões que vão do baixo custo de produção até a necessidade de renovação nas convenções narrativas do cinema de horror – cujos diretores precisam encontrar novos modos de acionar nos espectadores respostas emocionais envolvendo sentimentos de rejeição, medo e repulsa (CARROLL, 1999, p. 30) – traz consigo um conflito entre dois princípios da poética cinematográfica. Esse problema se manifesta de forma especialmente saliente no uso do som dentro dos filmes de “found footage”. Do ponto de vista do som, a produção ficcional baseia-se no princípio da legibilidade: o espectador precisa ouvir os sons do filme com clareza para poder acompanhar a progressão dramática do enredo (ALTMAN, 1992). Pelo menos em parte, esta convenção firmemente estabelecida colide com outro pré-requisito da estética do filme de “found footage”, oriundo da poética do documentário: a verossimilhança daquilo que se pode ouvir. Esse tipo de filme exige certo grau de “sujeira”, na apresentação sonora, capaz de alimentar a credibilidade no estatuto amador daqueles registros. Se quiser manter na platéia a crença (ou ao menos uma forma de ilusão consentida) de estar assistindo ao registro amador de uma ocorrência verdadeira, o diretor de um filme de “found footage” precisa preservar algumas imperfeições na organização e apresentação dos sons. Em tese, isso implica em sacrificar parte da legibilidade, princípio central da construção sonora dos longas-metragens ficcionais (RUOFF in ALTMAN, 1992, p. 217). Neste trabalho, pretendemos examinar o uso do som em filmes de “found footage”, a fim de refletir sobre questões estilísticas que se impõem a partir da relação conflituosa entre a legibilidade e a verossimilhança dos registros sonoros. Essas são algumas das questão que pretendemos abordar: como os diretores desses filmes estão lidando com o conflito aqui descrito? Que técnicas têm utilizado para simular a estética do registro amador sem perder a legibilidade dos sons? De que maneira eles utilizam a música? Essas produções usam apenas som direto, ou têm trilhas sonoras construídas na pós-produção? Técnicas como a dublagem e o foley vêm sendo integradas a esses filmes sem que haja perda da credibilidade? De que maneira os cineastas têm usado os múltiplos canais de reprodução dos sistemas digitais de projeção, que favorecem a espacialização dos sons mas sacrificam a credibilidade narrativa? É possível vislumbrar um padrão recorrente no uso das ferramentas disponíveis de construção narrativa através do som? |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick. "The Evolution of Sound Technology". In WEIS, Elizabeth e BELTON, John (orgs.). Film Sound: Theory and Practice, New York: Columbia University Press, pp. 44-53.
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