ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Dois em um: a autoria compartilhada na obra dos irmãos Dardenne |
|
Autor | Nanna Pôssa Bones |
|
Resumo Expandido | O artigo aqui proposto é um recorte da minha dissertação, na qual realizei uma análise da obra de Jean-Pierre e Luc Dardenne e da sua relação com o realismo. O uso de elementos realistas, além de aumentar a verossimilhança das histórias, fez com que os eles se destacassem no campo cinematográfico e se consagrassem como autores. O que será desenvolvido neste texto é a questão da autoria compartilhada. Os irmãos, que assinam juntos a produção, direção e roteiro, constroem dramas político-sociais associados a dramas psicológicos sobre a solidão e a melancolia contemporâneas. A opção por abordar diversos filmes dos mesmos diretores suscita questões mais amplas, como a noção de autoria, campo e habitus. Por meio da perspectiva autoral de inspiração bourdieusiana, é possível estabelecer mediação entre contexto e texto e poder fazer retrospectiva histórica para entender como eles construíram a sua trajetória.
Todos sabem que o cinema é arte essencialmente coletiva, que exige envolvimento de diversos profissionais. Neste contexto, muitos já se perguntaram quem seria, criativamente, o responsável pelo produto final, ou, de que forma se dá a autoria no cinema. Estes questionamentos ganharam destaque na década de 1950 a partir dos textos publicados na revista francesa Cahiers du Cinéma. Para estabelecer distinções entre filmes comerciais e artísticos, os jovens críticos desta publicação instauraram a “politique des auteurs”, na qual os critérios de juízo estéticos estavam baseados nos traços da personalidade do diretor que poderiam ser verificados no produto final. Para eles, o cinema se transformava em arte somente quando se tornava uma expressão pessoal. Como classificar então casos em que a direção é compartilhada? É possível existir um cinema autoral, mesmo quando este é assinado a quatro mãos? Trabalha-se aqui com a hipótese de que, no caso dos irmãos Dardenne, o fato de serem duas pessoas respondendo em conjunto pela direção, roteiro e produção não faz seus filmes menos autorais. Pela trajetória dos Dardenne é possível notar que se encaixam nos pré-requisitos para um cineasta ser considerado autor pela politique: participam ativamente de todo o processo de realização, ou seja, envolvem-se na direção, roteiro, montagem e produção. Além disso, seus filmes revelam aspectos de suas personalidades, têm temas recorrentes e, principalmente, suas obras têm estética reconhecível e estilo particular. Desde os primeiros vídeos militantes, realizados pelos Dardenne, na década de 1970, até o último longa de ficção, O silêncio de Lorna, todos os trabalhos da dupla têm em comum o fato de estarem muito atrelados à região de Seraing, onde passaram a infância, e tratarem de temas sociais. É possível identificar na trajetória dos diretores uma busca por autonomia artística e uma coerência entre os seus trabalhos. Porém, foi somente após realizarem A promessa que encontraram uma maneira própria de realizar ficções e, desde então, os seus filmes apresentam estilo próprio e recorrente. Os Dardenne enquadram-se na categoria de produção de obras voltadas, prioritariamente, para a apreciação simbólica e reconhecimento no interior do campo cinematográfico. Isto pode ser notado tanto por características dos próprios filmes como pelas estratégias de distribuição, trajetória dos autores, rentabilidade de bilheteria e classificação por parte da crítica. A opção por filmar temas “fortes” e polêmicos com câmera na mão, o foco em um único personagem e a ausência quase total de música fazem com que os seus filmes não sejam voltados somente para a diversão. Estas obras têm uma pretensão intelectual de fazer o espectador refletir sobre a contemporaneidade. Além disso, são filmes de baixo orçamento, realizados com equipe reduzida e exibidos, principalmente, em salas “de arte”. A trajetória dos diretores também confirma esta tese. Após anos ligados a trabalhos mais marginais, realizando vídeos militantes, aos poucos eles foram adquirindo reconhecimento no campo. |
|
Bibliografia | AUBENAS, Jacqueline. (Org). Jean-Pierre et Luc Dardenne. Bruxelas : Ministère de la Communauté française de Belgique, 2008.
|