ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Conhecimento por montagem: o documentário sob o risco do ensaio |
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Autor | Patricia Rebello da Silva |
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Resumo Expandido | O cinema se transformou em arte no momento em que descobriu que não era tanto o movimento na imagem, quanto o movimento entre os planos: ou seja, quando se descobriu como linguagem na “montagem”. Na descoberta da potência da técnica como potência de linguagem, o cinema se reinventou (pouco tempo depois de ter sido inventado) em uma narrativa e uma possibilidade de experiência.
Com o advento do documentário, nos anos 1920, a montagem se polarizou entre uma perspectiva naturalista (onde ela deveria ser “esquecida” em benefício da fluidez da narrativa) e outra, formalista (onde a a montagem “interrompe” a história). Dziga Vertov, um dos primeiros realizadores a perceber na capacidade de organização do visível o “gesto” capaz de lançar luz sobre o invisível, escreveu em um de seus textos: “É preciso centenas, milhares de experiências para decifrar esse novo domínio do trabalho da invenção cinematográfica”. E talvez não tenha sido por acaso que foi na escrita ensaística que aquelas duas perspectivas convergiram em benefício da criação de um cinema que estava em busca de fazer do gesto da reflexão sua própria história. O crítico francês François Niney, em “L'Epreuve du réel à l'écran”, identifica na produção de certos diretores do pós-guerra europeu (anos 1950) o amadurecimento do cinema de ensaio. Nos documentários de Alain Resnais, Chris Marker e Georges Franju, o papel da montagem foi ressignificado, uma vez que “nos entrega não apenas o diálogo entre imagens, mas também o diálogo entre as imagens e a reflexão que ela produz no interlocutor via imagens”, escreveu. Em “As estátuas também morrem”, curta de Marker e Resnais (1953), quando a narração em off diz que “a visitante da exposição de arte negra no museu olha para uma peça e lá encontra o sorriso de uma obra de Reims”, sinaliza para uma “montagem de heterogeneidades”, onde Reims e arte negra, memória e história convergem. Esses documentários vão dar origem a uma escrita que acredita que a história de uma imagem só pode ser contada quando a percebemos aberta e exposta à ação do tempo. Contrariando uma “ordem do discurso”, esses ensaios se afastam de uma montagem positivista (a representação como espelho das coisas) e estruturalista (a representação como sistema de signos). Nossa proposta é discutir como a idéia de um “conhecimento por montagem” desenvolvida pelo historiador francês Georges Didi-Huberman oferece algumas chaves interessantes para pensarmos a montagem nos filmes ensaios, cada vez mais recorrentes na produção contemporânea. Ao defender a formulação dos problemas da história da arte a partir das próprias obras, abrindo mão da herança do comentário histórico tradicional, Didi-Huberman percebe cada singularidade como uma complexidade em operação. Onde o historiador ordinário escolhe privilegiar uma só linha de causalidade, Didi-Huberman considera todas juntas, incapaz de cortar, concluir ou encerrar uma explicação. É isso que empresta a seus textos, que passam por uma atualização das teses de história e memória de Walter Benjamin, pelos processos criativos de artistas como Aby Warburg e Fra Angelico, os procedimentos de montagem do dramaturgo Bertolt Brecht, dos cineastas Harum Farocki e Jean-Luc Godard, um caráter “fragmentário”. Uma noção de fragmento não como uma “costura”, mas como a própria impossibilidade de fechar narrativas e, ao contrário, emprestar-lhes um caráter exploratório e ilimitado. Ao defender um olhar que procede por cortes, recortes e entroncamentos, a arte da montagem segundo Didi-Huberman contribui para uma melhor compreensão da montagem nos ensaios fílmicos ao se instalar tanto como paradigma que como uma forma de conhecimento capaz de mostrar um “outro tempo da história”. E do cinema. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005
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