ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Five: um cinema de encontros |
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Autor | Joana Paranhos Negri Ferreira |
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Resumo Expandido | Abbas Kiarostami, antes de ser cineasta, é poeta, pintor e fotógrafo e seu cinema é essencialmente híbrido, propondo encontros com formatos distintos. Segundo o iraniano, o próprio cinema para ser concebido como “arte maior” necessita abarcar a abstração que encontramos em outras formas de expressão artística. Daí sua obra ser notadamente marcada pela ambiguidade, pelo experimentalismo e sobretudo por um movimento de ruptura de estruturas convencionais que subverte a expectativa do público. Sob esta perspectiva, a proposta é discutir “Five Dedicated to Ozu” (2003).
Kiarostami afirma ter feito “Five” para escapar a “escravidão da narrativa”. O filme, realizado em câmera digital - quase sempre fixa -, é composto por 5 planos-sequência de natureza e movimentos humanos com cerca de 10 a 20 minutos cada. No primeiro bloco, observamos um toco de madeira na linha divisória entre a areia e o mar sendo arrastado por ondas que o quebram em dois. Um pedaço desaparece do quadro, enquanto o outro permanece na beira da praia. O quadro escurece. Inicia-se o bloco seguinte. Pessoas caminham e conversam no calçadão. A tela, agora branca, finaliza o bloco. No terceiro, cães sentam-se à beira do mar, alternam de posição até deitarem todos sobre a areia. Em seguida, um grupo de patos cruza a tela em ritmos diversos. No último bloco, diante de uma tela inicialmente negra, lentamente distinguimos o reflexo da lua, aparecendo e desaparecendo do quadro junto a sons de sapos a coaxar, trovoadas, chuva. As imagens se tornam gradualmente mais claras e vemos a superfície de um lago. “Five” parece se relacionar mais com as fotografias de Kiarostami do que com o cinema. Não só por não possuir uma história propriamente dita, mas também porque em alguns planos seu movimento tende a zero. Jean-Luc Nancy aponta uma inclinação a reduzir a história ao seu “grau zero”, classificando a presença de certas imagens fixas e a lentidão temporal em “Five” como indicações de um desejo por imobilidade, o que ampliaria a concentração e a imaginação do espectador. E é em nome da liberdade criativa que Kiarostami declara uma predileção pela imagem estática pois esta preserva seu mistério, tendo uma “vida mais longa” que a do filme. Percebemos ainda um diálogo com o haiku no que tange a sugestão imagética e a inferência do máximo a partir do mínimo. Assim como em um poema haiku, em “Five” há vazio e silêncio. E os vazios e silêncios são carregados de sugestões. O jogo elaborado de luz, sombra e reflexos que o cineasta utiliza na composição do último plano, a mudança gradual de tonalidade das imagens no terceiro bloco, também aproximam “Five” da pintura. Por meio de um controle preciso da abertura do diafragma da câmera, Kiarostami trabalha as seqüências de “Five” como uma espécie de pintura em processo, onde cada quadro, cada “superfície” se abre a uma relação distinta com o espectador. “Five” estreou no Festival de Cannes(2004) e permaneceu apenas uma semana em cartaz em uma única sala parisiense. A obra foi, então, adquirida pelo MOMA como vídeo-instalação, com cada um de seus planos ocupando áreas separadas. A proposta é pensar a contemplação no cinema e a contemplação no museu e o predomínio de um olhar plástico em “Five”. A exploração da paisagem, elemento recorrente na história da pintura e da fotografia, em detrimento do desenvolvimento de uma trama oferece ao espectador uma outra experiência cinematográfica. “Five” é essencialmente sensorial e explora a imaginação, através da contemplação profunda por meio da qual as imagens não se esgotam em sua configuração visual. A transição do filme da sala escura para o museu atesta um cinema que, ao romper com uma linguagem clássica, necessita ir ao encontro de outra expectativa para recuperar “visibilidade”. Esta reinvenção do dispositivo traz à tona questões prementes acerca da duração do olhar do espectador e do seu condicionamento a experiência cinematográfica hegemônica frente a uma temporalidade distinta |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. A Estética do Filme. São Paulo: Papirus, 1994.
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