ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Por um cinema menor - Mulheres no documentário brasileiro contemporâneo |
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Autor | Carla Ludmila Maia Martins |
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Resumo Expandido | Para começo de conversa, selecionamos dois filmes: "Vida" (2009) de Paula Gaitán e "A falta que me faz" (2010) de Marília Rocha. De saída, é possível notar traços em comum: ambos são documentários dirigidos por mulheres que apresentam personagens femininas. Nossa questão começa a se formular bem aí, no ponto de encontro dessas mulheres que se postam à frente e atrás da câmara. Além disso, os filmes compartilham um lugar e um tempo, o Brasil no princípio dos anos 2000.
Apesar de amplamente discutidas em diversas áreas de conhecimento desde os anos 1970, em grande parte devido ao surgimento e ascenção do movimento feminista, acreditamos que as questões a respeito da mulher e do feminino ainda não se esgotaram e que seria preciso reformulá-las, repensá-las, aqui e agora, em nosso tempo, diante de novas exigências. Ao trazer tais questões para o campo do cinema, não queremos hastear a bandeira do feminismo, tampouco encontrar uma suposta identidade feminina a partir de uma abordagem multiculturalista ou afinada com teorias de reconhecimento, caras aos estudos culturais. Também não propomos nos reter a um estudo de estilística, a rigor e a exemplo dos numerosos estudos literários voltados para as escritoras, ainda que reconheçamos o interesse por algumas noções herdadas desses estudos, como a de escritura feminina. Acreditamos que nossa ideia central fica mais clara numa alteração prepositiva: antes de pensar o cinema de mulher, numa visada autoral ou identitária, nos interessa refletir sobre o cinema com as mulheres, numa perspectiva animada pelo encontro contingente entre mulheres que filmam e são filmadas. Pensar um cinema com as mulheres seria então assumir a lógica da comunidade, atentando para a dimensão relacional e necessariamente política desse fazer com, estar junto, que detectamos nos filmes analisados. Em "Kafka - por uma literatura menor", lemos sobre uma literatura que poderia ser considerada não como língua menor, "mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior" (DELEUZE, GUATTARI; 1977: 25). Seriam duas suas características principais: primeiro, ela é modificada por uma fonte de coeficiente de desterritorialização, segundo, nelas, tudo é político. A proposta desse trabalho é construir uma ponte que sustente tal formulação, levando-a porém a uma outra margem: em lugar de uma literatura menor, pensar um cinema menor, posto que realizado por uma minoria, digamos, uma pequena comunidade de mulheres. Sim, "no Ocidente, o padrão de qualquer maioria é: homem, adulto, macho, cidadão" e "as mulheres, independentemente de seu número, são uma minoria" (DELEUZE, GUATTARI; 2005: 44). Avançando a partir desses pressupostos, a proposta é justamente pensar que cinema pode surgir da ação conjunta de algumas mulheres. Seria preciso nos arriscar um pouco mais, num exercício de inferência: se, de acordo com a formulação deleuziana, o cinema não apenas apresenta imagens mas as cerca com um mundo, nosso objetivo seria refletir não apenas sobre que cinema, mas sobre que mundos podem surgir da ação conjunta dessas mulheres. Que formas de vida são criadas nas imagens desses filmes? Como neles se inventam modos de existir e resistir? Nosso exercício heurístico será o de aproximar os filmes por diferenciação, sublinhando seus pormenores, tomando-os como formações moleculares em contraponto aos processos macropolíticos que estabelecem os padrões e regras da maioria. Queremos supor que ao inventar um certo modo de diferir, de buscar novas formas de visibilidade, tais filmes se apresentam como lugar de uma resistência criativa e singular. Afinal, o "menor" a que nos referimos não pode ser considerado, de modo algum, como menos importante - como sugere Deleuze, podem existir passagens entre os processos micropolíticos ou moleculares e os processos macropolíticos ou molares. O que propomos, em última instância, é tomar tais filmes como dispositivos para melhor iluminar essas passagens. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Trad. António Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
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